segunda-feira, 18 de julho de 2011

Capitu, adorável traidora

 
Desde que a crítica estadunidense Helen Caldwell publicou, na década de 1960, o inusitado livro: “O Otelo brasileiro de Machado de Assis”, uma verdadeira onda de acólitos, estrangeiros e nacionais, abraçou, nos anos que se seguiram, a causa da plena absolvição da personagem Capitolina, acusada de adultério descarado pelo próprio marido, Bento Santiago, no romance “Dom Casmurro (1899)”, de Machado de Assis. Segundo Helen, o brasileiro comum, vítima de uma mentalidade contaminada por uma estrutura tipicamente patriarcal, machista, tende a enxergar a promiscuidade onde não há e o problemático e obsessivo narrador personagem do romance não merece a mínima confiança. Consolidou-se, desta maneira, a hipótese rala de que não houve traição.
Em verdade, desde as primeiras páginas de Dom Casmurro, somos apresentados a um Romance “Omisso” (e não simplesmente “Aberto”), repleto de lacunas a serem preenchidas segundo as orientações de um homem traído. Vários críticos contemporâneos de Machado, entre eles Arthur de Azevedo, repercutiram o lançamento do livro, destacando-o como uma empolgante história de traição e o escritor, que era profundamente cioso de seus textos, nunca escreveu nada a respeito destas análises, desmentindo-as, satirizando-as.
A atrevida Capitu, filha de “Pobres-Diabos”, sabe que deve, a todo custo, “entrar” para a casa dos endinheirados Santiagos, prover sua ascensão. Num primeiro momento falha, pois Bentinho, executando a promessa da mãe (falta iniciativa ao coitado), interna-se num seminário. Quando tem a oportunidade de retornar à casa materna, ele se depara com uma Capitu inconfortavelmente travestida de “agregada”. Adiante, a obrigação do seminário é contornada e a moça se livra do fingimento. Agora, nada impediria o casamento dos dois enamorados. Enfim, a felicidade. Dois anos escorrem e o desgosto de não terem filhos os atormenta (ambos têm seus motivos); "nada corria bem". Decerto, também sofriam com as opiniões alheias (Não é o primeiro tipo estéril da galeria Machadiana e ninguém melhor do que o autor para abordar tal assunto: não teve filhos.). E, assim, depois de muita espera e reza, nasce uma criança, uma suspeita, uma certeza, um exílio e, no fim, a solidão.
Entretanto, depois de tudo exposto, espero que não me compreenda mal, querido leitor: Capitu é surpreendente, moderna. Sobrepõe-se, inclusive, a muitas mulheres que encontramos pela estrada à fora. Machismo é atestar veementemente que uma moça tão autêntica e extrovertida não trairia um homem tão esvaziado de iniciativa quanto Bento, um "bocomoco", um besta. Não duvidem: Capitu realizou-se plenamente. Ela nos olha.

MIRANDA, Rafael Puertas de. Capitu, adorável traidora. Jornal Mogi News, Mogi das Cruzes,  05 de Junho de 2011. Caderno Variedades, p. 03.

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