terça-feira, 29 de maio de 2012

Balada da Peste Branca

E eu sei que vou morrer... dentro em meu peito
Um mal terrível me devora a vida:(...)”
Mocidade e Morte, de Castro Alves.

A Tuberculose, irremediavelmente, deixou marcas profundas em diversas formas de manifestações artísticas. Na Literatura, durante o século XIX, enquanto vigorava a estética do Romantismo, cavoucou, inclusive, o patamar de coqueluche (e que a sensível leitora me perdoe pelos trocadilhos) entre o meio artístico boêmio, que a cultivava como “doença de intelectual”. Assim, como cultura de mote, o “Mal do Século” frequentou assiduamente dúzias de ladinos textos poéticos e, em alguns casos, teimando realidade, ceifou precocemente a vida de muitos dos escarrados escritores de nossas histórias literárias.
Em Portugal, Soares de Passos, Cesário Verde e Antonio Nobre, ainda jovens, foram acometidos pela balada da peste branca. O último, autor do belíssimo e melancólico livro “”, segundo afirma o saudoso crítico maranhense Josué Montello, “(...) para dissimular, nos dias da juventude o pavor que a Morte lhe inspirava, Antônio Nobre procurou fazer-lhe a corte (...). No entanto, quando a Morte se lhe apresentou, com a febre vermelha das hemoptises, o primeiro cuidado do poeta, que antes se fizera passar como tuberculoso, foi açodadamente esconder a doença”.
No Brasil, a doença ganhou os pulmões debilitados do noctívago Álvares de Azevedo, do saudosista Casimiro de Abreu e do libertário Castro Alves. O primeiro, boêmio assumido (“baladeiro”, para os mais jovens), antes de ser vitimado pelo bacilo mortal, fora contaminado pelas belíssimas armações poéticas doentias de Musset e Byron ("gostarei de morrer tísico porque as jovens têm a maior compaixão quando vêem um doente no leito de morte").
No primeiro quartel do século XX, o tratamento profilático da moléstia ganhou as páginas do gênero Romance com a magistral obra do escritor alemão Thomas Mann: “A Montanha Mágica” (1924). Nela, o jovem rico entediado Hans Castorp viaja para um sanatório em Davos, na Suíça, onde seu primo está instalado. Aos poucos o apático rapaz percebe que a visita, instigada por familiares, tem outro fim: sua própria internação.
 Coincidentemente, as aflições de Hans se identificam com as do jovem poeta modernista brasileiro Manuel Bandeira, que abandona o curso de arquitetura da Escola Politécnica de São Paulo em virtude do mal do peito e, depois de errar por diversos sanatórios (incluindo o de Clavadel, na Suíça), é curado com a primeira safra de antibióticos. O autor de “Pneumotórax”, que enfrentara a morte de perto, viveu mais de oitenta anos.
Adiante, José Lins do Rego dedica a Bandeira o interessante e trágico romance: “Pureza” (1937), onde um narrador em primeira pessoa destrincha seus medos, sua trágica história familiar assombrada pela doença e seu exílio compulsório na a erma estação ferroviária que dá nome ao livro. Pelas intensas descrições e para a total compreensão das marcas indeléveis deixadas nas vidas de quem bailou com a peste branca, vale!

MIRANDA, Rafael Puertas de. Balada da Peste Branca. Jornal Mogi News, Mogi das Cruzes, 24 de Julho de 2011. Caderno Variedades, p. 03.

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