"Alberto Caeiro", por Lívio de Morais, 1998. |
Se ele quisesse que eu acreditasse
nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me, Aqui estou!
(...)
Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e sol e o luar,
Então acredito nele,
Então acredito nele a toda a hora,
E a minha vida é toda uma oração e
uma missa,
E uma comunhão com os olhos e pelos
ouvidos.”
(Trecho do poema V; in: O guardador de
rebanhos.)
O trecho acima é
atribuído a uma das criaturas poéticas mais admiráveis da vasta galeria
heteronímica do poeta português Fernando Pessoa. Trata-se do campônio Alberto
Caeiro que, numa tarde de 1914, simplesmente “apareceu” dentro do poeta
lusitano enquanto este escrevia em pé, à beira de uma cômoda alta. – “E escrevi
trinta e tantos poemas a fio, numa espécie de êxtase cuja natureza não
conseguirei definir”. Sabemos também que há tempos o escritor pensava em fazer
uma “partida” ao amigo e poeta Mário de Sá-Carneiro, inventando um poeta bucólico
de espécie complicada (e até o nome constitui homenagem: Caeiro, o CaRNeiro sem
carne), dono de uma maneira própria de se expressar poeticamente. Não duvide,
leitor, Caeiro é singular!
Conforme dito, a
Criatura/Caeiro era um jovem camponês (morava numa Quinta), com pouca
escolaridade e, por isso mesmo, não formatado pela tradição, pela “cultura à
goela abaixo”, pela religião oficial. Ele foi capaz de construir uma simples e
consistente obra poética que, antes de tudo, pode também ser entendida como uma
espécie de doutrina existencial (paradoxalmente, uma “filosofia antifilosófica”).
Sua maneira de
enxergar o mundo e de se relacionar com a realidade pressupõe a retomada de
faculdades humanas que, hoje ainda, em tempos de “razão sangrenta” e
“espetáculos insinuantes”, são desativadas, aviltadas: os sentidos (“Pensar é
estar doente dos olhos”). Não há outra forma de alcançar a verdade senão por
intermédio das sensações.
Há quem afirme que
o trecho acima seja exemplo do panteísmo
de Caeiro, que se manifestaria na crença de uma “força divina que está presente
em todas as coisas e perpassa tudo que existe no mundo”. Talvez, observando com
mais atenção o caráter da obra, o que se encontre de fato ali seja a
manifestação sincera de um “monismo
panenteísta”. Um monoteísta acredita em um Deus, já o monista panenteísta
acredita que só há Deus e (pan-en-theô) ele está em tudo. Vale!
MIRANDA, Rafael Puertas de. Coisas de
Caeiro. Jornal
Mogi News, Mogi das Cruzes, 18 de Setembro de 2011. Caderno Variedades, p.
03.
O que há lá na curva?
ResponderExcluir-Eu não sei. Quando chegar lá eu te digo.
Caeiro nos ensina a viver. Sem demasiadas expectativas, sem lembranças nostálgicas...
Seja o aqui, viva o agora.
Carpe Diem.