quinta-feira, 31 de maio de 2012

Confusões Literárias

Às vezes, querido leitor, espanto-me sobremaneira com algumas confusões relacionadas à Literatura, área pela qual tenho tanto apreço. O último grande imbróglio (beirando catástrofe) que, nos ambientes virtuais, causou uma avalanche de críticas, chacotas, discussões e também me fez sangrar foi o mal acabado vídeo institucional da Caixa Econômica Federal, veiculado recentemente em rede nacional onde o escritor realista brasileiro Joaquim Maria Machado de Assis é representado por um artista branco. Realmente, assustador. Fico imaginando o percurso desta mídia: deve ter passado pelas mãos bobas de publicitários, estagiários, editores, coordenadores de programação e nenhum destes indivíduos atentou para o fato de que a pequena narrativa continha um enorme equívoco.
Nascido em 21 de Junho de 1839, Machado era filho de Francisco José de Assis, um pintor de paredes mulato, e Maria Leopoldina da Câmara Machado, lavadeira açoriana. Conseguiu, de forma surpreendente, superar as dificuldades de sua condição social de jovem pobre e agregado, suplantando, também, as barreiras que lhe eram impostas pelo “racismo institucionalizado” daquela época: era mulato.
Ainda hoje, sejamos honestos, o preconceito velado (a pior espécie por sinal – o não admitido) é uma realidade constante da nossa sociedade, mas quero crer que a “transmutação” do nosso grande mestre, pai de Capitu, no famigerado vídeo não seja de natureza ideológica, tendenciosa. Trata-se apenas de uma grande e total demonstração de ignorância. Vociferamos tanto, inclusive, que agora refizeram a propaganda. Para assistir aos dois vídeos, basta clicar no Youtube: Machado de Assis branco, Caixa burra.
A grande ironia é que talvez a pessoa que mais se entusiasmasse com esse processo de embranquecimento fosse o próprio Machado. Como já foi dito nesta coluna, quando apresentei o poeta parnasiano Gonçalves Crespo: “(...)era negro e tinha muito orgulho de sua descendência. Numa carta, nunca respondida, destinada a Machado de Assis (dizem que o escritor realista ficou mortificado com o que leu), dizia: ‘(...) e por uma secreta simpatia que para si me levou quando me disseram que era... de cor como eu. Será?’”.
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Sobre o artigo “Steve Jobs”, do Doutor Dirceu Do Valle, publicado neste jornal, para que o verso não pareça deslocado, não nos esqueçamos de que a loucura é capaz de liquidar a condição de “cadáver adiado que procria”, segundo Pessoa.

MIRANDA, Rafael Puertas de. Confusões Literárias. Jornal Mogi News, Mogi das Cruzes, 16 de Outubro de 2011. Caderno Variedades, p. 03.

Um comentário:

  1. Que eu me lembre,e se não me falha a memória, anos atrás uma lei foi promulgada em que uma porcentagem de atores nos veículos de mídia e informação tinham que por força da lei contratar atores negros, lembro-me que uma revista intitulada RAÇA, impressionava a mim e aos louros brasileiros desacostumados com uma postura de resistência por parte de quem quer que seja, mas descobri então a beleza, negra. Num tempo sem internet e celular, certas ações afirmativas são muito propositivas para a democracia, aliás, eu que o diga.

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