segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Da peçonha I

Às vezes, querido leitor, na história da Literatura, algumas "faces artísticas" de determinados escritores são sonegadas, dispensadas. Na maioria dos casos, a baixa qualidade das produções justifica o esquecimento (como é o caso dos poemas mal acabados escritos pelo grande prosador brasileiro Machado de Assis, que só não são piores do que a horrorosa tradução do poema "O Corvo", de Edgar Allan Poe, executada pelo mesmo autor); em outros, no entanto, não se sabe ao certo, ou se identificam claramente, quais forças ocultas são responsáveis por tais "apagões". Um mistério.
Assim acontece com o escritor mineiro Bernardo Joaquim da Silva Guimarães (1825-1884), celebrizado por seus romances, sobretudo o bem arranjado "A escrava Isaura" (1875), que fora, já na época de seu lançamento, muito comemorado e, tempos depois, por intermédio de uma adaptação televisiva, consagrou-se também como fenômeno de audiência (inclusive, mundial). Desta forma, eternizou-se o romancista Bernardo Guimarães, deixando no plano do quase esquecimento a sua outra "face literária": a lírica/satírica. Grande parte de seus poemas pode ser ajustado aos padrões do que convencionalmente se intitula de "ultrarromantismo". Era amigo íntimo do poeta Álvares de Azevedo (com ele fundara a mitificada e obscura "Sociedade Epicureia"). Sem pestanejar, por puro didatismo, muitos o acomodariam na Segunda Geração da Poesia Romântica Brasileira, mesmo que algumas de suas mais célebres produções poéticas escapem deste "rótulo". Um exemplo notório de sua brilhante teimosia estilística é o singular poema fescenino/obsceno "O Elixir do Pajé", espécie de paródia (do ritmo, sobretudo) do "I-Juca Pirama", de Gonçalves Dias.
O texto, impresso clandestinamente em pequenos folhetos anônimos (num primeiro momento) que circulavam de mão em mão, alcançou grande fama, mas não figura em grande parte das "Obras Completas" que encontramos em prateleiras empoeiradas (o leitor adulto que quiser se divertir com a obra, basta solicitá-la via e-mail, que a enviarei gentilmente).
Menos explícito, mas nem por isso menos curioso, é também o poema "A orgia dos duendes", talvez o texto mais brasileiro do poeta. Impregnado de mitos folclóricos brasileiros e outras figuras míticas alienígenas que ainda resistiam ao tempo, o texto apresenta uma espécie de reunião seres maquiavélicos no meio da selva escura.(continua)

MIRANDA, Rafael Puertas de. Da Peçonha I. Jornal Mogi News, Mogi das Cruzes, 29 de Julho de 2012. Caderno Variedades, p. 07.

Link para o texto integral do "Elixir do Pajé":
http://www.nead.unama.br/site/bibdigital/pdf/oliteraria/250.pdf

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