terça-feira, 9 de outubro de 2012

Da poesia que não era séria

Há pouco tempo, numa destas tardes ensolaradas e secas do início do mês de setembro, encontrava-me mais uma vez com um dos meus mestres literatos que, embora não exibisse uma gravata sisuda e tampouco irradiasse a soberba típica de intelectuais desta envergadura, embalava-me com a sua impressionante sabedoria e profunda sensatez.
Vez ou outra, a figura consertava a posição do par de óculos no rosto com as pontas dos dedos escanifrados onde já não se podiam distinguir nitidamente os traços das digitais, talvez perdidas nos miolos dos livros que tanto folheava desde sempre.
A certa altura da conversa, ao refletir sobre os destinos dos antigos alunos (como se estes fossem livros repousando em estantes organizadas pelo ocaso), veio-me com esta:
"Mogi das Cruzes, então? Terra tranquila. Sabe, lembro-me de ter lido alguma coisa de um poeta satírico daquelas bandas. Coisa fina; humor apurado - do século XIX. Muito celebrado. Manuel de Almeida Melo Freire, pai de Dona Yayá. Conhece?"
Disse-lhe que conhecia vagamente a triste história da família, mas que desconhecia o talento manifestado pelo poeta Manuel.
"Resgate-o!", finalizou com aquele tom desafiador que já fez de tantos alguma coisa.
Num primeiro momento, chequei a biografia do poeta/político e lá encontrei referências a sua única publicação, o livro de poemas satíricos e humorísticos intitulado "Henriqueida", de 1888.
A obra, espécie de antologia pessoal, recebeu críticas favoráveis e permitiu que o escritor fosse mencionado em dois dicionários literários diferentes:
- o Dicionário de Autores Paulistas, de Luís Correia de Melo (p. 242); e no
- Dicionário Literário Brasileiro, do ilustríssimo crítico literário Raimundo de Menezes (p. 287-288).
Neste último, é o único poeta nascido em Mogi das Cruzes.
A pesquisa me levou a outro achado curioso. No ano de 1741, a oficina gráfica "Lisboa Occidental" lançara obra homônima ("Henriqueida - poema heroico com advertências preliminares das regras da Poesia Épica, Argumentos e Notas"), do Conde da Ericeira (D. Francisco Xavier de Menezes). O título compartilhado talvez não seja mera coincidência.
A "Henriqueida" mogiana ainda tem escapado pelos meus dedos (não sossego enquanto não a repatriar). Fato curioso é que, contrariando a visão tacanha de que ser poeta é coisa séria, o poeta mogiano mais celebrado entre entendedores de grande poesia seja um humorista. Vale!

MIRANDA, Rafael Puertas de. Da poesia que não era séria. Jornal Mogi News, Mogi das Cruzes, 30 de Setembro de 2012. Caderno Variedades, p. 07.

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