Aproveitando os últimos suspiros do truculento ano
de 2012, alguns entusiastas do estudo da literatura já direcionaram suas atenções para
as datas comemorativas a serem celebradas no próximo ano. Ainda, entre as discussões
acaloradas, não vi nenhuma referência a uma importante obra que, em 2013,
comemorará seu 70º Aniversário. Trata-se da narrativa “Perto do Coração
Selvagem“ (1943), romance de estréia da escritora ucraniana, naturalizada
brasileira, Clarice Lispector (1920-1977).
Clarice, que escrevera o livro com dezenove anos e
o guardara até o ano de publicação, causou um verdadeiro alvoroço entre a
crítica literária brasileira que, até então, concentrava fogo em romances
regionalistas bem enredados; respeitadores de um nexo sequencial narrativo linear (também a prosa intimista despontava).
A obra de Clarice, fragmentária e carregada de
digressões, além de surpreender a todos, inaugurou na literatura brasileira um
estilo elíptico e introspectivo que nos leva às entranhas das complexas
personagens que muitas vezes, pelo teor de suas divagações e questionamentos
existenciais e metafísicos, parecem-nos por demais surpreendentes, quiçá inacreditáveis.
Em “Perto do Coração Selvagem”, acompanhamos o fluxo de consciência
da inquieta personagem protagonista Joana (espécie de alterego da própria
escritora) que vasculha suas lembranças de menina órfã para lançar luzes sobre
o mundo adulto no qual está inserida no momento da enunciação. Diante do
divórcio que acabou de protagonizar, tenta reencontrar a si mesma, libertar-se.
Todo um mosaico de experiências sufocantes emerge a fim de recompor seu estado
bruto; o estado de construção da sua essência, onde cabe até a relativização da
moral. Vale!
***
Fragmento:
“(...)- Joana... Joana, eu vi...
Joana lançou-lhe um olhar rápido. Continuou silenciosa.
- Mas você não diz nada? - não se conteve a tia, a
voz chorosa. - Meu Deus, mas o que vai ser de você?
- Não se assuste, tia.
- Mas uma menina ainda... Você sabe o que fez?
- Sei...
- Sabe... sabe a palavra...?
- Eu roubei o livro, não é isso?
- Mas, Deus me valha! Eu já nem sei o que faço, pois ela ainda
confessa!
- A senhora me obrigou a confessar.
- Você acha que se pode... que se pode roubar?
- Bem... talvez não.
- Por que então...?
- Eu posso.
- Você?! - gritou a tia.
- Sim, roubei porque quis. Só roubarei quando quiser. Não faz mal nenhum.
- Deus me ajude, quando faz mal, Joana?
- Quando a gente rouba e tem medo. Eu não estou contente nem triste."
MIRANDA, Rafael Puertas de. Perto. Jornal Mogi News, Mogi das Cruzes, 02 Dezembro de 2012. Caderno Variedades, p. 07.
Estou escrevendo um ensaio com o único fim de responder uma pergunta a mim mesma: até onde vão as semelhanças entre Clarice Lispector e Gina Berriault? Você tem ideias a respeito?
ResponderExcluirbeijo
vi