terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Perto

Aproveitando os últimos suspiros do truculento ano de 2012, alguns entusiastas do estudo da literatura já direcionaram suas atenções para as datas comemorativas a serem celebradas no próximo ano. Ainda, entre as discussões acaloradas, não vi nenhuma referência a uma importante obra que, em 2013, comemorará seu 70º Aniversário. Trata-se da narrativa “Perto do Coração Selvagem“ (1943), romance de estréia da escritora ucraniana, naturalizada brasileira, Clarice Lispector (1920-1977).
Clarice, que escrevera o livro com dezenove anos e o guardara até o ano de publicação, causou um verdadeiro alvoroço entre a crítica literária brasileira que, até então, concentrava fogo em romances regionalistas bem enredados; respeitadores de um nexo sequencial narrativo linear (também a prosa intimista despontava).
A obra de Clarice, fragmentária e carregada de digressões, além de surpreender a todos, inaugurou na literatura brasileira um estilo elíptico e introspectivo que nos leva às entranhas das complexas personagens que muitas vezes, pelo teor de suas divagações e questionamentos existenciais e metafísicos, parecem-nos por demais surpreendentes, quiçá inacreditáveis.
Em “Perto do Coração Selvagem”, acompanhamos o fluxo de consciência da inquieta personagem protagonista Joana (espécie de alterego da própria escritora) que vasculha suas lembranças de menina órfã para lançar luzes sobre o mundo adulto no qual está inserida no momento da enunciação. Diante do divórcio que acabou de protagonizar, tenta reencontrar a si mesma, libertar-se. Todo um mosaico de experiências sufocantes emerge a fim de recompor seu estado bruto; o estado de construção da sua essência, onde cabe até a relativização da moral. Vale!
***
Fragmento:
“(...)- Joana... Joana, eu vi...
Joana lançou-lhe um olhar rápido. Continuou silenciosa. 
- Mas você não diz nada? - não se conteve a tia, a voz chorosa. - Meu Deus, mas o que vai ser de você?
- Não se assuste, tia.
- Mas uma menina ainda... Você sabe o que fez?
- Sei...
- Sabe... sabe a palavra...?
- Eu roubei o livro, não é isso?
- Mas, Deus me valha! Eu já nem sei o que faço, pois ela ainda confessa!
- A senhora me obrigou a confessar.
- Você acha que se pode... que se pode roubar?
- Bem... talvez não.
- Por que então...?
- Eu posso.
- Você?! - gritou a tia. 
- Sim, roubei porque quis.  Só roubarei quando quiser. Não faz mal nenhum.
- Deus me ajude, quando faz mal, Joana?
- Quando a gente rouba e tem medo. Eu não estou contente nem triste."

MIRANDA, Rafael Puertas de. PertoJornal Mogi News, Mogi das Cruzes, 02 Dezembro de 2012. Caderno Variedades, p. 07.

Um comentário:

  1. Estou escrevendo um ensaio com o único fim de responder uma pergunta a mim mesma: até onde vão as semelhanças entre Clarice Lispector e Gina Berriault? Você tem ideias a respeito?
    beijo
    vi

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