domingo, 31 de março de 2013

Dos “erros editoriais” e suas bizarras consequências

Capa da edição recolhida pela Ed. Record.
Há poucos dias, a Editora carioca Record anunciava o cancelamento da distribuição da alardeada antologia “Poesias nunca publicadas de Caio Fernando Abreu”, resultado da tese defendida pelas pesquisadoras Letícia da Costa Chaplin e Márcia Ivana de Lima, que analisaram “minuciosamente” o espólio de escritos não publicados do autor gaúcho.
O jornalista Caio Fernando Abreu (1948-1996), considerado um dos grandes nomes de sua geração, consagrara-se literariamente com seus textos em prosa (sobretudo, contos e romances) e ainda hoje faz muito sucesso entre os jovens que utilizam redes sociais (seus textos apresentam números expressivos de compartilhamento); também, não é difícil encontrar alunos agarrados a suas obras, marcadas por um estilo poético, conciso e refletoras das (in)certezas angustiantes da vida. Vale muito!
Entenda, então, querido leitor, a enorme expectativa criada com o anúncio da publicação mencionada. Como seria a faceta lírica de um escritor lambuzado de virtuosismo e originalidade? Caio, perseguido durante a ditadura pelo DOPS, antes de se exilar na Europa, escondera-se no sítio da poeta campineira Hilda Hilst. Deste período de convivência (quase dois anos), restaria alguma espécie de evidência poética?
As interrogações já se avolumavam, quando, numa bela tarde, recebemos a notícia da interdição da obra e seu "recolhimento". A Editora alegou, sem mais detalhes, que a publicação apresentava um “erro editorial”. Mas, não demorou muito para que o problema fosse revelado e causasse um verdadeiro estardalhaço nos fóruns de discussão sobre Literatura: na página 49 do referido livro, encontra-se o poema “Barato Total”, que, segundo as organizadoras, aparece em um diário de 1976. Acontece que o texto é na verdade uma música composta por Gilberto Gil e gravada por Gal Costa (há um desenho, inclusive, da cantora na referida página). A Editora, rapidamente, escalou uma nova especialista para revisar a obra e explicar o erro grotesco num prefácio.
Enfim, este caso lastimável, além de lançar sombras espessas sobre o processo de aprovação de trabalhos acadêmicos no Brasil, expõe a fragilidade do corpo revisional da editora em questão e exemplifica o não reconhecimento das ferramentas virtuais durante as etapas de uma pesquisa (cinco sítios de busca consultados apresentam/apontam, como resultado para a expressão “Barato Total”, a referida música de Gilberto Gil). Enfim, só não foi culpa do Abreu!

MIRANDA, Rafael Puertas de. Dos "erros editoriais" e suas bizarras consequênciasJornal Mogi News, Mogi das Cruzes, 17 de Fevereiro de 2013. Caderno Variedades, p. 02.

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