segunda-feira, 3 de junho de 2013

Archimboldianas I

 
No ápice da convalescença do que viria a se consolidar como um quadro fatal de falência hepática, o escritor chileno Roberto Bolaño (1953-2003) instruiu seus familiares e editores a respeito da dinâmica a ser adotada na publicação de sua última obra, uma caudalosa narrativa intitulada ”2666”.
O romance, segundo Bolaño, deveria ser publicado em cinco partes, respeitando o intervalo de um ano para cada volume. No entanto, após a morte prematura do escritor, o amigo e estudioso que nomeara como responsável por assuntos pertinentes ao seu fazer literário, Ignacio Echevarría, depois de analisar o material de trabalho e o resultado final, sugere que o romance seja publicado em volume único, a fim de garantir a integridade de seu valor literário.
E, assim, no ano de 2004, é publicada postumamente aquela que viria a se consolidar como a obra máxima de um escritor facilmente elencado como um dos grandes prosadores da literatura contemporânea. No Brasil, o romance “2666” é publicado tardiamente em 2010 (tradução de Eduardo Brandão que integra o catálogo da editora Companhia das Letras).
Com seu estilo agressivo, despojado e febril, a narrativa apresenta uma sucessão intensa e movediça de episódios interligados pela figura fictícia de um enigmático, talentoso e recolhido escritor alemão: Benno von Archimboldi.
A primeira parte da trama, que narra as peripécias de quatro estudiosos europeus interessados pela obra e incompleta biografia do misterioso escritor alemão é admiravelmente “degustada” pelo leitor iniciado nas práticas dos estudos e investigações literárias. Na segunda, somos levados às profundezas da personagem Óscar Amalfitano, um professor universitário na fictícia cidade mexicana de Santa Tereza, município fronteiriço aparentemente pacato que vem sendo assolado por uma centena de assassinatos brutais não solucionados de mulheres jovens. Estes crimes são apresentados e esmiuçados na terceira e quarta parte da obra por intermédio de óticas distintas (jornalistas estrangeiros, policiais, etc). E, por fim, a parte que “resolve” a figura espectral Archimboldi.
Não espere, querido leitor, encontrar na obra a satisfação ordinária resultante de um romance quadrado de mistério e suspense. Esta trama alcança outras esferas e é de se esperar que não se conclua plenamente sem reverberar na obra completa de um escritor consciente do fazer literário (acredite: as demais obras de Bolaño nos oferecem, mencionando diretamente ou não a figura de Archimboldi - num teimoso e obscuro diálogo entre si - um verdadeiro emaranhado de pistas aparentemente interligadas). Vale!
MIRANDA, Rafael Puertas de. Archimboldianas I. Jornal Mogi News, Mogi das Cruzes, 14 de Abril de 2013. Caderno Variedades, p. 07.

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