Casa Caipira (década de 80), pintura a óleo de Mário Caserta (1920-2004)
Acervo de
Rafael Puertas de Miranda - Mogi das Cruzes (SP).
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Em 1872, era publicado, o primeiro dos quatro
pequenos volumes que viriam a constituir o pitoresco romance “Til”, do escritor
cearense, radicado no Rio de Janeiro, José Martiniano de Alencar (1829-1877).
Filiado à estética do Romantismo, mas sem abdicar
de uma linguagem tipicamente brasileira (a acentuação do título “Senhora” – “ó”
–, por exemplo, escandalizou os artistas da metrópole, defensores ferrenhos do
beletrismo português), Alencar entendia o fazer literário como forma de construção
de uma identidade cultural brasileira. Para dar cabo desta tarefa, seus textos
procuraram dar ênfase aos valores e à cultura de cada um dos espaços
geográficos de nossa nação.
Foi assim que, em meados de 1871, resgatando as
próprias memórias do período em que frequentou o curso de Direito do Largo de
São Francisco, em São Paulo, onde travou contato com a cultura
fazendeira/caipira do interior do nosso estado, Alencar começou os rascunhos de
“Til”: “É o Til desses livros que se
compõem com material próprio, fornecido pela reminiscência, e que portanto se
podem escrever em viagem, sobre a perna, ou num canto da mesa de jantar”
(in: Guerra dos Mascates).
Dentro de sua respeitável obra, este romance
“regionalista”, ou “sertanejo”, ou “fazendeiro”, desempenha um papel
evidentemente secundário. Falta-lhe o brio de narrativas mais amarradas,
falta-lhe a prosa poética de “Iracema” (1865).
Mesmo assim, evidenciam-se duas qualidades
admiráveis. A primeira apresenta-se na diversidade singular da numerosa galeria
de personagens que a obra comporta. Em “Til” esbarramos com transfigurações
locais dos principais “modelos” consagrados pelo romantismo europeu, fazendo-se
notar uma espécie de escala gradual/moral que vai da abnegação total à
psicopatia vingativa: o anti-herói resignado, o personagem grotesco para além
do bem e do mal, a heroína apaixonada, o típico herói eticamente
irrepreensível, o jovem Don Juan/aventureiro, a viúva prestativa, o vilão
canastrão etc. Berta (ou Inhá, ou Til – como é apelidada por “Brás”), a
protagonista da história, incorpora a típica heroína abnegada e altruísta,
beirando a santidade: e não há quem diga que “Deus escreve certo por linhas
tortas?”, Deus escreve certo por "~" (til).
A segunda é a naturalidade e entusiasmo com que o
autor nos apresenta os aspectos folclóricos (festas, folguedos, cantigas,
costumes), entrelaçando-os ao enredo. Vale!
MIRANDA, Rafael Puertas de. Da cultura caipira. Jornal Mogi News, Mogi das Cruzes, 07 de Julho de 2013. Caderno Variedades, p. 07.
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