Frederico Barbosa (1961-) |
Escreveu certa vez o poeta francês Paul Valéry
(1875-1945): “Nada há de mais original, nada de mais pessoal do que se
alimentar dos outros. É preciso, porém, digeri-los. O leão é feito de cordeiro
assimilado”. Atentando para as peculiaridades desta sentença, deve-se,
portanto, ao analisar a obra poética de determinado autor, também estar atento
às transformações que o mesmo impõe a seus “empréstimos”. Onde se lê
“influência”, lê-se muita vez interpretação, reação, resistência, atualização,
combate. Todo esse processo coroado com o distanciamento do pedantismo barato e
superficial a fim de que se construa uma nutrida e sincera dicção poética. Eis
a receita da boa poesia contemporânea que circula entre nós.
Ajusta-se a mencionada chave à recém-publicada obra
“Na Lata” (Ed. Iluminuras), que comporta a poesia reunida (de 1978 a 2013) do
poeta/performer e entusiasta da literatura pernambucano,
radicado em São Paulo, Frederico Barbosa (1961-). Renegando uma ordenação
cronológica de sua trajetória artística literária, que por ventura limitasse a
potência expressiva de seus textos, optou o poeta pela original divisão e
mistura de todos os seus poemas em distintos blocos temáticos, ressaltando,
desta forma, os possíveis diálogos entre as peças (algumas, inclusive,
retocadas e revisadas). O resultado da façanha é a completa anulação de uma
perspectiva temporal que dá a edição o caráter de ineditismo: “um livro
absolutamente novo”, segundo o autor.
Ao mergulhar em seus versos, deparamo-nos com o
espírito da conduta construtiva de João Cabral de Melo Neto, os espectros da
poesia concreta, as imagens pesadas de Eliot, os ecos da prosa poética de James
Joyce, a insolência sensual e os arroubos formais de Gregório de Matos, a
deglutição dos experimentalismos oswaldianos (fractais), a musicalidade
sugestiva dos simbolistas, a dimensão febril de Fernando Pessoa, a pedra rala
de Drummond, as folhas da relva, a música popular brasileira, “o oco sem beiras”.
O reconhecido esmero do poeta na construção de uma
linguagem e estrutura a serviço de um “eu” inquieto (inquietação digna de um
“siri na lata”, como diriam os caiçaras sabidos) nos arrasta ao olho do furacão
de uma realidade liquefeita, teimando convulsão e resvalando no caos (portanto,
“Tapa na cara dos reaças!”). Enfim, obra imperdível que deve habitar prateleiras
de livrarias que desejam escapar da fama de ordinárias. Vale!
MIRANDA, Rafael Puertas de. Na Lata, de Frederico Barbosa. Jornal Mogi News, Mogi das Cruzes, 23 de Junho de 2013. Caderno Variedades, p. 07.
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