Mário de Andrade. Desenho: Odiléa Setti Toscano |
No interessante ensaio intitulado “O Ateneu”,
publicado em 1941 e, em seguida, agregado à obra “Aspectos da Literatura
Brasileira”, o crítico e poeta modernista brasileiro Mário Raul de Moraes
Andrade (1893-1945) demonstra sua inquietação diante do fato de que, no
referido romance de Raul Pompeia (1863-1895), retrato da vida colegial do
narrador protagonista Sérgio (e espécie de vingança do próprio autor contra o
seu internamento no colégio Abílio, nos tempos de estudante), predomina um insuperável,
trágico e absurdo traço conceptivo: a insensibilidade do escritor fluminense ante
a idade da adolescência e o sentimento de amizade.
Manifestando um temperamento atormentado e polêmico, Raul Pompeia, que poria um fim à própria vida aos trinta e três anos de idade com um tiro certeiro no coração, sempre se esquivara das pessoas e, segundo Mário de Andrade, daí se originaria sua “insensibilidade” diante desse sentimento:
Manifestando um temperamento atormentado e polêmico, Raul Pompeia, que poria um fim à própria vida aos trinta e três anos de idade com um tiro certeiro no coração, sempre se esquivara das pessoas e, segundo Mário de Andrade, daí se originaria sua “insensibilidade” diante desse sentimento:
“Parece hoje verdade assentada que Raul Pompeia não
teve nenhum amigo íntimo, que lhe frequentasse a casa e a alma nua. Só teve
‘amigos de rua’, diz Eloy Pontes. Rodrigo Otávio, que morou paredes meias com
ele, conta que tinham ambos, de sacada a sacada, conversas longas(...). E
viveram tempos nesse lerolero sem que jamais Pompeia abrisse ao companheiro as
portas de casa. E muito menos de seu coração.
Assim guardado, assim escondido em si mesmo, é possível que ele arrastasse consigo algum segredo mau, uma tara, uma desgraça íntima que jamais teve forças pra aceitar lealmente e converter a elemento de luta e de realização pessoal. E por isso, jamais poude conquistar para seu completamento e aperfeiçoamento, a sublime graça de um amigo íntimo. E o reflexo dessa falha está no Ateneu (...)”.
Assim guardado, assim escondido em si mesmo, é possível que ele arrastasse consigo algum segredo mau, uma tara, uma desgraça íntima que jamais teve forças pra aceitar lealmente e converter a elemento de luta e de realização pessoal. E por isso, jamais poude conquistar para seu completamento e aperfeiçoamento, a sublime graça de um amigo íntimo. E o reflexo dessa falha está no Ateneu (...)”.
Considerando a chave de interpretação sugerida por
Mário, pode-se pensar exatamente o contrário em relação ao escritor português
Eça de Queirós (1845-1900), que nos presenteou com os mais escaldantes exemplos
de amizade disponíveis nas prateleiras dos cascudos romances realistas de fins
do século dezenove. Assim o é a personagem Zé Fernandes, de A Cidade e as Serras, como também o "tronco de árvore", o Sebastião, o
Sebastiarrão; amigo inseparável de Jorge n’O
Primo Basílio.
Ironias
à parte, também faltou a Mário a tal “força” a ser convertida em elemento de luta:
há fantasmas no (ar)mário. Entretanto, para o autor de Macunaíma não faltaram
amizades verdadeiras.
MIRANDA, Rafael Puertas de. Da amizade. Jornal Mogi News, Mogi das Cruzes, 08 de Setembro de 2013. Caderno Variedades, p. 07.