A cidade de São Paulo, no início
do século XX, fervilhava: modernistas alvoroçados, universidades mascando
estudantes de todo Brasil, imigrantes oriundos das mais diversas partes do
globo em busca de um futuro melhor, as máquinas, os fios... Imagino, no meio
deste burburinho, o jovem pindense Alexandre
Ribeiro Marcondes Machado (1892-1933) desembarcando de um trem qualquer a
fim de se formar em Engenharia na Escola Politécnica. Hipoteticamente,
acompanho os passos do rapaz pelos bairros de operários repletos de imigrantes e
deduzo o seu deslumbramento ao travar contato com o pitoresco dialeto
macarrônico da italianada moradora do
Brás, da Mooca, do Bixiga e do Belenzinho. Deslumbramento este que o levaria a
elaborar uma das mais interessantes criaturas poéticas brasileiras: Juó Bananère.
Não se espante, querido leitor, se o
nome lhe parecer estranho. Às vezes, a prática do insistente “didatismo
engessado” nos presenteia com o esquecimento. Portanto, sacudamos o pó.
Satírico cruel, o escritor “encenou” um estilo humorístico inédito,
empregando em suas poesias, crônicas e manifestos uma curiosa linguagem,
espécie de mistura do português com o italiano. Extremamente sarcástico e dono
de um humor inigualável, o eu-lírico (pseudônimo “quase” heterônimo!), dizem
alguns, tornou-se mais famoso do que o próprio autor. Tal criatura, apresentada
como poeta, barbière i soldato (além de
“Gandidato á Gademia Baolista de Letras”), adorava sangrar com suas
“lâminas ácidas” os figurões da época e demolia com paródias desconcertantes os
“poemas medalhões” da literatura brasileira e estrangeira: uma delas, por
exemplo, ataca a atmosfera de “Confeitaria Colombo” do Soneto Decassílabo “Via Láctea”, emblema da face romântica do poeta
parnasiano Olavo Bilac. Neste poema, encenando um suposto diálogo com um amigo,
o eu-lírico de Bilac afirma que, ao contrário do que pensa o interlocutor, não
perdeu o “senso”: consegue entender e ouvir estrelas porque “ama”; esta é a
receita. Juó Bananère azucrina o texto, arrematando o mesmo diálogo com este engraçado
terceto:
“(...)E io ti diró: − Studi
p’ra intendela,
Pois só chi giá studô
Astrolomia,
É capaiz de intendê istas
strella.”
Infelizmente, seus livros foram
pouco reeditados. “La Divina Increnca”,
onde encontramos o texto acima, possui apenas três edições: a de 1915, 1966 (do
editor Folco Masucci e que possuo) e a de 1994. Mas, felizmente, contamos com
diversos sítios na Internet que divulgam a vida e a obra deste singular e
criativo escritor brasileiro. Non Cotuca!!!!
Vale!
MIRANDA, Rafael Puertas de. Poeta, barbière i soldato. Jornal Mogi News,
Mogi das Cruzes, 26 de Junho de 2011. Caderno Variedades, p. 01.
LINKS:
1. Sóle Mio - Voz de Juó Bananére, 1933:
http://www.carbonoquatorze.com.br/versaopaulo/primeiro/mp3/Track1.mp3
Belo texto! Imagina a cidade de São Paulo no início do século XX! Quantas mudanças em todos os sentidos envolviam a população! Muitos extrangeiros e desses, os italianos causaram inumeras mudanças na cultura paulistana. Uma mais específica e muito interessante é o humor que a colônia italiana trouxe consigo e que o Juó Bananére cristaliza em textos é apenas uma amostra desse humor irreverente e debochado e pode-se dizer até mesmo convencido. Se alguém pensa que esse humor sumiu ou alterou-se com o desaparecimento de simpático Juó Bananére, engana-se. O Adoniran Barbosa atesta esse engano.
ResponderExcluirForte abraço Prof. Puertas
Auro Malaquias dos Santos