terça-feira, 29 de maio de 2012

Poeta, barbière i soldato

A cidade de São Paulo, no início do século XX, fervilhava: modernistas alvoroçados, universidades mascando estudantes de todo Brasil, imigrantes oriundos das mais diversas partes do globo em busca de um futuro melhor, as máquinas, os fios... Imagino, no meio deste burburinho, o jovem pindense Alexandre Ribeiro Marcondes Machado (1892-1933) desembarcando de um trem qualquer a fim de se formar em Engenharia na Escola Politécnica. Hipoteticamente, acompanho os passos do rapaz pelos bairros de operários repletos de imigrantes e deduzo o seu deslumbramento ao travar contato com o pitoresco dialeto macarrônico da italianada moradora do Brás, da Mooca, do Bixiga e do Belenzinho. Deslumbramento este que o levaria a elaborar uma das mais interessantes criaturas poéticas brasileiras: Juó Bananère.
Não se espante, querido leitor, se o nome lhe parecer estranho. Às vezes, a prática do insistente “didatismo engessado” nos presenteia com o esquecimento. Portanto, sacudamos o pó.
Satírico cruel, o escritor “encenou” um estilo humorístico inédito, empregando em suas poesias, crônicas e manifestos uma curiosa linguagem, espécie de mistura do português com o italiano. Extremamente sarcástico e dono de um humor inigualável, o eu-lírico (pseudônimo “quase” heterônimo!), dizem alguns, tornou-se mais famoso do que o próprio autor. Tal criatura, apresentada como poeta, barbière i soldato (além de “Gandidato á Gademia Baolista de Letras”), adorava sangrar com suas “lâminas ácidas” os figurões da época e demolia com paródias desconcertantes os “poemas medalhões” da literatura brasileira e estrangeira: uma delas, por exemplo, ataca a atmosfera de “Confeitaria Colombo” do Soneto Decassílabo Via Láctea”, emblema da face romântica do poeta parnasiano Olavo Bilac. Neste poema, encenando um suposto diálogo com um amigo, o eu-lírico de Bilac afirma que, ao contrário do que pensa o interlocutor, não perdeu o “senso”: consegue entender e ouvir estrelas porque “ama”; esta é a receita. Juó Bananère azucrina o texto, arrematando o mesmo diálogo com este engraçado terceto:

“(...)E io ti diró: − Studi p’ra intendela,
Pois só chi giá studô Astrolomia,
É capaiz de intendê istas strella.”

Infelizmente, seus livros foram pouco reeditados. “La Divina Increnca”, onde encontramos o texto acima, possui apenas três edições: a de 1915, 1966 (do editor Folco Masucci e que possuo) e a de 1994. Mas, felizmente, contamos com diversos sítios na Internet que divulgam a vida e a obra deste singular e criativo escritor brasileiro. Non Cotuca!!!! Vale!

MIRANDA, Rafael Puertas de. Poeta, barbière i soldato. Jornal Mogi News, Mogi das Cruzes, 26 de Junho de 2011. Caderno Variedades, p. 01.
LINKS:
1. Sóle Mio -  Voz de Juó Bananére, 1933:
http://www.carbonoquatorze.com.br/versaopaulo/primeiro/mp3/Track1.mp3

Um comentário:

  1. Belo texto! Imagina a cidade de São Paulo no início do século XX! Quantas mudanças em todos os sentidos envolviam a população! Muitos extrangeiros e desses, os italianos causaram inumeras mudanças na cultura paulistana. Uma mais específica e muito interessante é o humor que a colônia italiana trouxe consigo e que o Juó Bananére cristaliza em textos é apenas uma amostra desse humor irreverente e debochado e pode-se dizer até mesmo convencido. Se alguém pensa que esse humor sumiu ou alterou-se com o desaparecimento de simpático Juó Bananére, engana-se. O Adoniran Barbosa atesta esse engano.
    Forte abraço Prof. Puertas
    Auro Malaquias dos Santos

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