Às vezes, querido leitor, espanto-me sobremaneira com algumas confusões relacionadas à Literatura, área pela qual tenho tanto apreço. O último grande imbróglio (beirando catástrofe) que, nos ambientes virtuais, causou uma avalanche de críticas, chacotas, discussões e também me fez sangrar foi o mal acabado vídeo institucional da Caixa Econômica Federal, veiculado recentemente em rede nacional onde o escritor realista brasileiro Joaquim Maria Machado de Assis é representado por um artista branco. Realmente, assustador. Fico imaginando o percurso desta mídia: deve ter passado pelas mãos bobas de publicitários, estagiários, editores, coordenadores de programação e nenhum destes indivíduos atentou para o fato de que a pequena narrativa continha um enorme equívoco.
Nascido em 21 de Junho de 1839, Machado era filho de Francisco José de Assis, um pintor de paredes mulato, e Maria Leopoldina da Câmara Machado, lavadeira açoriana. Conseguiu, de forma surpreendente, superar as dificuldades de sua condição social de jovem pobre e agregado, suplantando, também, as barreiras que lhe eram impostas pelo “racismo institucionalizado” daquela época: era mulato.
Ainda hoje, sejamos honestos, o preconceito velado (a pior espécie por sinal – o não admitido) é uma realidade constante da nossa sociedade, mas quero crer que a “transmutação” do nosso grande mestre, pai de Capitu, no famigerado vídeo não seja de natureza ideológica, tendenciosa. Trata-se apenas de uma grande e total demonstração de ignorância. Vociferamos tanto, inclusive, que agora refizeram a propaganda. Para assistir aos dois vídeos, basta clicar no Youtube: Machado de Assis branco, Caixa burra.
A grande ironia é que talvez a pessoa que mais se entusiasmasse com esse processo de embranquecimento fosse o próprio Machado. Como já foi dito nesta coluna, quando apresentei o poeta parnasiano Gonçalves Crespo: “(...)era negro e tinha muito orgulho de sua descendência. Numa carta, nunca respondida, destinada a Machado de Assis (dizem que o escritor realista ficou mortificado com o que leu), dizia: ‘(...) e por uma secreta simpatia que para si me levou quando me disseram que era... de cor como eu. Será?’”.
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Sobre o artigo “Steve Jobs”, do Doutor Dirceu Do Valle, publicado neste jornal, para que o verso não pareça deslocado, não nos esqueçamos de que a loucura é capaz de liquidar a condição de “cadáver adiado que procria”, segundo Pessoa.
Sobre o artigo “Steve Jobs”, do Doutor Dirceu Do Valle, publicado neste jornal, para que o verso não pareça deslocado, não nos esqueçamos de que a loucura é capaz de liquidar a condição de “cadáver adiado que procria”, segundo Pessoa.
MIRANDA, Rafael Puertas de. Confusões Literárias. Jornal Mogi News, Mogi das Cruzes, 16 de Outubro de 2011. Caderno Variedades, p. 03.