domingo, 22 de julho de 2012

Ulisses, ou a balada do Sr. Bloom


Ontem, querido leitor, contrariando a lógica infalível das coisas importantes, o imediatismo teimoso das grandes lutas e a modorra silenciosa dos sábados em transe, alguns leitores e fãs brasileiros, sozinhos ou acompanhados, em bares ou no silêncio dos quartos, debruçaram-se uma vez mais sobre as páginas surradas, sejam elas novas ou encardidas, de alguma das edições daquele que é, sem sombras de dúvida, um dos Romances mais inovadores e belos do século XX, Ulisses (1922), do escritor irlandês James Joyce. 
A obra, que, a partir de 2012, entrou em domínio público (em breve veremos uma enxurrada de novas edições), é uma espécie de demolição do Gênero Romanesco, carregada de experimentalismos e profunda reflexão acerca da vida e do fazer literário. Com uma linguagem extremamente poética, truncada, carregada de neologismos, inovações sintáticas, somada ao emprego da técnica de fixação do "fluxo de consciência", por intermédio da qual se registra o pensamento integral de uma personagem - o raciocínio lógico ilhado de impressões e o acompanhamento paciente do processo de livre associação de ideias -; acompanhamos a saga de um dia (mais precisamente 18 horas) do Leopold Bloom, um judeu que vende anúncios. Espécie deslocada, pensador e alvo de todas as injúrias do mundo (profundamente humano, por isso), Bloom peregrina pela Dublin do início do século, atormentado pela memória do filho natimorto, causa aparente de sua infelicidade conjugal. A trajetória da personagem, típico anti-herói patético, dialoga e reconstrói a saga do herói homérico Ulisses e sua viagem de volta para Ítaca. No texto de Joyce, no entanto, o retorno adiado é o retorno para casa, para sua esposa Molly (Penélope). Durante o trânsito encontra o entusiasmante jovem Stephen Dedalus (Telêmaco), passando com ele algumas horas de seu dia. Este breve relacionamento "interafetivo", de estreita conciliação de angústias, culmina na experiência a três mais interessante e reflexiva de toda a Literatura: a divisão do leito conjugal (de Bloom e Molly) com o rapaz. A trama é arrematada com um atordoante desfecho: o célebre monólogo da senhora Bloom. Então, a importância da obra e a revolução promovida pela ousadia do escritor justificam plenamente a comemoração anual do "Bloomsday", que ocorre no aniversário da data no romance: 16 de Junho de 1904. Ontem, portanto. Vale!

MIRANDA, Rafael Puertas de. Ulisses, ou a balada do Sr. Bloom. Jornal Mogi News, Mogi das Cruzes, 17 de Junho de 2012. Caderno Variedades, p. 07.

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