segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Forma e Revolução

"Sem forma revolucionária não há arte revolucionária." 
(Vladimir Vladimirovitch Mayakovsky)
Era a boca da noite, quando despontou nas “redes” a nota de falecimento do poeta jundiaiense Décio Pignatari. Cerca de duas horas depois, ainda nenhum órgão de imprensa divulgara a notícia, o que acabou deixando muita gente ressabiada. Alguns acusavam as alheias mídias, outros, desconfiados, cogitavam a hipótese de que tudo não passasse de mero boato. No caso, a melhor forma de elucidar o mistério é buscar foro privilegiado. Então, ao acessar páginas de amigos próximos do poeta, constatei que não era mentira: Décio não estava mais entre nós.
Quando ainda morava em Osasco, aos vinte e dois anos, publicara seus primeiros poemas na "Revista Brasileira de Poesias" (revista fundada e dirigida por Péricles Eugênio da Silva Ramos, a partir de 1947, na cidade de São Paulo). A breve repercussão de seus textos chama a atenção de dois jovens irmãos poetas Augusto (1931) e Haroldo de Campos (1929-2003) - a publicação de uma fotografia de Décio permite que Haroldo o reconheça em uma tertúlia. Reagindo ao conservadorismo da poesia realizada pela geração de 45, o trio, a partir de 1952, passa a publicar a revista "Noigrandes" (1952-1962), que viria a se tornar o veículo da nova estética inaugurada pelos mesmos, denominada “Concretismo”.
Antecipando a linguagem do espaço virtual e a sensibilidade dos novos tempos, o manifesto concretista (“Plano-piloto para Poesia Concreta”, publicado na segunda edição de Noigrandes) anuncia o fim do verso como unidade rítmico-formal do poema, sua temporalidade e linearidade. A poesia concreta passa, então, a reconhecer o espaço do poema como agente estrutural, enleando a linguagem verbal a não-verbal; uma integração entre som, visualidade e sentido das palavras. Surge um novo campo da linguística, bem específico, resultado desta aproximação: a sintaxe “verbivocovisual” (espacial/icônica/visual).
No mesmo ano, 1956, o grupo lança o movimento oficialmente, durante a Exposição Nacional de Arte Concreta no Museu de Arte Moderna de São Paulo e, no ano seguinte, no saguão do Ministério da Educação e Cultura, no Rio de Janeiro.
A poesia concreta ganha o mundo. Ainda assim, a estética terá ávidos críticos. Em praticamente todas suas entrevistas, Pignatari respondia a estas investidas, indicando, sobretudo, os professores de cursos de letras de universidades públicas como seus maiores algozes (o saudoso crítico Mário Chamie era um dos incansáveis odiadores do Concretismo). Também afirmava que a Poesia Concreta, a despeito de tanto ataque, realizou-se plenamente como intenção artística e não pode ser ignorada; inscreveu-se em nossa “circulação sanguínea”. E tinha razão! Adeus, Poeta.

MIRANDA, Rafael Puertas de. Forma e RevoluçãoJornal Mogi News, Mogi das Cruzes, 09 de Dezembro de 2012. Caderno Variedades, p. 07.


BreveAn 
tologiade
Poemas*de
Décio Pignatari 
(1927-2012)

*disponíveis na rede

Augusto de Campos, Décio Pignatari e Haroldo de Campos, a Tríade Concretista.

















o jogral e a prostituta negra
farsa trágica

Onde eras a mulher deitada, depois
dos ofícios da penumbra, agora
és um poema:

Cansada cornucópia entre festões de rosas murchas.

É à hora carbôni-
ca e o sol em mormaço
entre sonhando e insone.

A legião dos ofendidos demanda
tuas pernas em M,
silenciosa moenda do crepúsculo.

É a hora do rio, o grosso rio que lento flui
flui pelas navalhas das persianas,
rio escuro. Espelhos e ataúdes
em mudo desterro navegam:
Miraste no esquife e morres no espelho.
Morres. Intermorres.
Inter (ataúde e espelho) morres.

Teu lustre em volutas (polvo
barroco sopesando sete
laranjas podres) e teu leito de chumbo
têm as galas do cortejo:

Tudo passa neste rio, menos o rio.

Minérios, flora e cartilagem
acodem com dois moluscos
murchos e cansados,
para que eu te componha, recompondo:

Cansada cornucópia entre festões de rosas murchas.

(Modelo em repouso. Correm-se as mortalhas das
persianas. Guilhotinas de luz lapidam o teu dorso em
rosa: tens um punho decepado e um seio bebendo
na sombra. Inicias o ciclo dos cristais e já cintilas.)

Tua al(gema negra)cova assim soletrada em câma-
ra lenta, levantas a fronte e propalas:
"Há uma estátua afogada..." (Em câmara lenta! – disse).
"Existe uma está-
tua afogada e um poeta feliz(ardo -o
em louros!). Como os lamento e
como os desconheço!
Choremos por ambos."

Choremos por todos – soluço, e entoandum
litúrgico impropério a duas vozes
compomos um simbólico epicédio AAquela
que deitada era um poema e o não é mais.

Suspenso o fôlego, inicias o grande ciclo
subterrâneo de retorno
às grandes amizades sem memória
e já apodreces:

Cansada cornucópia entre festões de rosas murchas.

(1949, em O Carrossel, 1950)

Três poemas ideológicos de amor (1986)

Você já arranhou parde?
          já sentiu o ácaro da rosa ausente
          já mastigou pano
          já viu a romã dar-se à luz em grená
          e o golfinho saltando para o teu útero
Você já ouviu um pintassilgo ouvindo Beteljosa

I amo você

***

ventrava estrelas
                 e azul teu cheiro
                                 e cheiros
                 beiravam pregas
                 de luz e pele
                                 e enchiam o
                                                        cosmos um corpo
                                                        que se beijava
                                                                                por inteiros

***

Morrer em Nínive
desmemoriado
insensível a tudo

não fôra
a grandeza do fim

não fôra a lembrança
daquela terra
de índios e suipsitacídios

onde teus olhos
me falolharam
por tuas bocas

pela primeira vez

EUPOEMA

O lugar onde eu nasci nasceu-me
num interstício de marfim,
entre a clareza do início 
e a celeuma do fim.

Eu jamais soube ler: meu olhar 
de errata a penas deslinda as feias 
fauces dos grifos e se refrata:
onde se lê leia-se.

Eu não sou quem escreve, 
mas sim o que escrevo:
Algures Alguém
são ecos do enlevo.













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3 comentários:

  1. Em poesia tudo se cria, mas em saudações para um amigo querido nossa originalidade se esfria, então: feliz ano novo e que tu alcances o mais belo voo.

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  2. olá, não conhecia alguns poemas que foram postados na página e fiquei cuiroso sobre onde posso encontr-alos, o "aroma antigo' acredito que tenhasido obtido atrvés do coro privilegiado. mas gostaria de saber se o
    "em meio a textos texteis" foi publicado em alguma revista , se sim gostaria de saber qual.
    grato desde já

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    1. Esta imagem fora encontrada na Internet e alocada neste espaço para que meus alunos tivessem acesso ao textos de Décio. Farei uma pesquisa para tentar identificar sua publicação original. Até!

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