Para o desespero dos apreciadores da “Alta Literatura”
e para o verdadeiro regozijo dos consumidores da típica narrativa de gôndola de
supermercado, o grande sucesso de vendas do ano que se encerrou há poucas
semanas fora a trilogia iniciada pelo romance "Cinquenta Tons de Cinza" (Ed. Intrínseca), da oportunista escritora inglesa
Erika Leonard James. Lançado originalmente em 2011 e ultrapassando a marca de
vendas de outros consagrados “pacotões culturais” do mesmo gênero, o livro
alcançou a marca de milhões de exemplares vendidos também nas plagas
tupiniquins.
A obra tem sua gênese no ambiente virtual das
“FanFics” (corruptela em inglês para a expressão: ficção criada por fãs).
Incomodada com o excesso de decoro da pudicíssima Stephenie Meyer e seu insosso "discurso de castidade" embutido na fraca série “Crepúsculo”, decidiu utilizar as
personagens da autora americana numa narrativa carregada de erotismo. Quando a versão
digital alcançou sucesso, seus direitos foram adquiridos por uma editora que
sugeriu a substituição dos nomes da saga de Meyer, assim como os elementos da
cultura vampiresca “clean”.
Na obra de James, narrada em primeira pessoa, somos
apresentados a uma tola estudante de jornalismo, aparentemente inexperiente no
mundo do sexo, que se envolve com um multimilionário obscuro, que lhe oferece
seu amor e uma lista de vantagens em troca de agrados sadomasoquistas e de
outras naturezas parafílicas.
Embarcando na narrativa capenga, desorganizada, entupida
de clichês de filminhos da sessão da tarde (bem ao estilo Paulo Coelho) e
coroada com palavras de baixo calão típicas de um aluno de ensino fundamental,
somos apresentados às rasas entranhas desta personagem feminina entediante que,
ao mesmo tempo em que luta com suas fantasias de submissão, manifesta um amor perseverante
e transformador.
A forma como a escritora aborda as práticas
parafílicas apresentadas na obra incomoda; pura demonização. Classificado como “pornô para mamães” e envolvido numa
atmosfera de libertinagem, o livro, ao contrário do que se pensa, é mais conservador e careta do que muitas obras que andam soltas por aí.
Mesmo assim, como uma espécie de fábula moderna,
incorporou-se ao inconsciente feminino ao resgatar a embotada atmosfera dos “romances
cor-de-rosa” das prateleiras do esquecimento e também por fazer supor, erroneamente, às mesmas (as leitoras assíduas) que é possível a
total "transformação", ou “reformatação” da personalidade, desejos, hábitos e vontades do sujeito par
amoroso do sexo masculino, anulando-o até que, sob os chicotes e outros adereços fetichistas, não reste "tom sobre tom" de sua identidade.
MIRANDA, Rafael Puertas de. Tom sobre tom. Jornal Mogi News, Mogi das Cruzes, 27 de Janeiro de 2013. Caderno Variedades, p. 02.
Tom sobre tom é mais uma genial observação expressa pelo professor Rafael Puertas, belo post professor, parabéns,preciso como crítico literário,e não resta dúvida de que a mistificação do sexo,dogmas, e frases de efeitos são "garantias" para uma literatura que só serve para o social consumo de uma demanda,digamos,"bem criada."
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