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terça-feira, 27 de abril de 2021
sexta-feira, 18 de setembro de 2020
Conto Fantástico "A Aranha", de Rafael Puertas de Miranda.
Eu não acredito em assombração ou em forças sobrenaturais, mas ainda não me recuperei completamente daquele acontecimento atordoante.
Era um feriado prolongado e as atividades na Universidade estavam suspensas. Meu colega de quarto, Rogério, convidou-me para passar estes dias mortos na casa de sua Tia Alberta, que vivia em Ubatuba.
A viagem foi agradável e sem imprevistos. Chegamos à residência de Alberta no final da tarde. Era uma casa assobradada, espaçosa e arejada. As enormes paredes da sala eram adornadas com máscaras tribais, talvez de origem havaiana, que combinavam com a atmosfera do lugar.
Uma enfermeira cuidava da parenta de Rogério que, por conta de algum acontecimento traumatizante desconhecido da família, passava os dias em silêncio, sentada numa cadeira de balanço, penteando seus longos cabelos negros como a noite. Chegaram a cogitar um grave quadro depressivo.
Senti certa tristeza, pois esperava uma recepção mais calorosa. A senhora idosa, com seus olhos estáticos, enchia-me de aflição. Sentada no sofá, acompanhava seus movimentos metódicos. Às vezes, esperava que ela se mexesse e se levantasse, rompendo subitamente com aquele estado de transe que teimava abismo.
— Mas esse cachorro não para de latir nunca? – disse Rogério, incomodado com o cão do vizinho, enquanto levava nossas malas para os quartos, no andar de cima.
O animal, desde a nossa chegada, manifestava uma irritação anormal.
— Acho que esse cachorro é louco! Mudou há pouco para cá. Átila é o nome dele. Passa o dia inteiro latindo. – explicou a enfermeira, já acostumada com os desvarios do cão.
Lembro-me bem de que, quando me deitei para dormir, na cama do quarto de hóspedes, ainda ouvia os latidos do nosso vizinho inconveniente. Levou tempo para que eu pegasse no sono.
De madrugada, aconteceu o incidente. Meio enjoada, despertei com uma sede terrível. Percebi, antes de sair do quarto em busca de um copo com água, que havia algo de diferente.
Demorei para me dar conta de que o cão amalucado estava em silêncio profundo. Decerto, esgotou-se e agora, inerte como uma pedra, dormia em algum canto do jardim; pensei comigo.
Desci as escadas, preocupada em não fazer barulho. Não queria acordar ninguém. Já estava saltando o último degrau, quando notei, de soslaio, um movimento estranho, num dos cantos da sala.
Virei-me rapidamente e vi uma cena inexplicavelmente bizarra. Alberta estava de pé próxima à parede e seus cabelos, como se fossem dotados de vontade própria, erguiam-na do chão, escalando as reentrâncias do reboco rústico, pouco a pouco.
Os fios, como uma enorme e felpuda aranha negra, pareciam ter vida própria e se expandiam em silêncio, embora pulsassem como se fossem embalados por uma energia sinistra e invisível, irradiada sabe-se lá de onde.
Lembro-me nitidamente do terror que me congelava as pernas, subindo pelo meu corpo como os cabelos escuros subiam pela parede. Nenhum som conseguia brotar da secura da minha boca.
Então, a minha visão foi escurecendo e, quando recobrei a consciência, era de manhã e estava esparramada no tapete da sala vazia. Arrastei-me até o quarto para dormir mais algumas horas e quando acordei novamente, Rogério me chamava para o café.
Tudo voltara ao normal. Alberta repousava em silêncio na cadeira de balanço, o Sol invadia a casa pela vidraça, o cachorro latia obstinadamente e o meu amigo de faculdade se preparava para um dia inteiro na praia.
Demorou um pouco, mas criei coragem e contei a história toda para Rogério. Ele desconversou e me disse que certamente eu teria sonhado com tudo aquilo.
— Acho que você é sonâmbula! – disse rindo e, em seguida, percebendo a minha preocupação, mudou rapidamente de assunto.
Naquela tarde, arrumei as minhas malas e voltei para a Capital, abandonando de vez todo aquele mistério, meu amigo, o Sol, a praia e o barulho infernal daquela fera insistente que rasgava o silêncio do dia.
© Rafael Puertas de Miranda
segunda-feira, 21 de março de 2016
Capitu, adorável traidora.
sexta-feira, 17 de outubro de 2014
Papo de Arroz: Anderson Magalhães e seu "Desespero".
quinta-feira, 10 de outubro de 2013
Das possibilidades
Mário Cochrane de Alencar (1872-1925)
e Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908).
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No interessante trabalho: “Realidade Possível: dilemas da ficção em Henry James e Machado de Assis” (Vol. 41 da Coleção “Estudos Literários” - Ateliê Editorial, 2012), o crítico e professor Marcelo Pen Parreira, ao analisar os pontos de convergência entre o autor norte-americano e o brasileiro com enorme clareza e amplo repertório (dignos de um eficiente “comparatista”), destaca a carência de provas que ajudem a dimensionar com exatidão a ligação, ou o tipo de influência que o autor americano tenha exercido sobre o autor brasileiro.
domingo, 8 de setembro de 2013
Da amizade
Mário de Andrade. Desenho: Odiléa Setti Toscano |
Manifestando um temperamento atormentado e polêmico, Raul Pompeia, que poria um fim à própria vida aos trinta e três anos de idade com um tiro certeiro no coração, sempre se esquivara das pessoas e, segundo Mário de Andrade, daí se originaria sua “insensibilidade” diante desse sentimento:
Assim guardado, assim escondido em si mesmo, é possível que ele arrastasse consigo algum segredo mau, uma tara, uma desgraça íntima que jamais teve forças pra aceitar lealmente e converter a elemento de luta e de realização pessoal. E por isso, jamais poude conquistar para seu completamento e aperfeiçoamento, a sublime graça de um amigo íntimo. E o reflexo dessa falha está no Ateneu (...)”.
Da "Teoria do Arroz"
Do primeiro romance nacional II
Do primeiro romance nacional I
Da cultura caipira
Casa Caipira (década de 80), pintura a óleo de Mário Caserta (1920-2004)
Acervo de
Rafael Puertas de Miranda - Mogi das Cruzes (SP).
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Na Lata, de Frederico Barbosa
Frederico Barbosa (1961-) |
segunda-feira, 10 de junho de 2013
O bicho azul do Sr. Zuck
algoritmo insosso.
conservadores conservam suas conservas,
gases lacrimejam a paulista,
odiosos, das mais diversas espécies e siglas,
desfilam em carros alegóricos dourados.
teimando aumentado fim,
o bicho azul do Sr. Zuck, quem diria,
rosnando nossa contradição,
no olho do furacão.
segunda-feira, 3 de junho de 2013
Archimboldianas I
O romance, segundo Bolaño, deveria ser publicado em cinco partes, respeitando o intervalo de um ano para cada volume. No entanto, após a morte prematura do escritor, o amigo e estudioso que nomeara como responsável por assuntos pertinentes ao seu fazer literário, Ignacio Echevarría, depois de analisar o material de trabalho e o resultado final, sugere que o romance seja publicado em volume único, a fim de garantir a integridade de seu valor literário.
E, assim, no ano de 2004, é publicada postumamente aquela que viria a se consolidar como a obra máxima de um escritor facilmente elencado como um dos grandes prosadores da literatura contemporânea. No Brasil, o romance “2666” é publicado tardiamente em 2010 (tradução de Eduardo Brandão que integra o catálogo da editora Companhia das Letras).
Com seu estilo agressivo, despojado e febril, a narrativa apresenta uma sucessão intensa e movediça de episódios interligados pela figura fictícia de um enigmático, talentoso e recolhido escritor alemão: Benno von Archimboldi.
A primeira parte da trama, que narra as peripécias de quatro estudiosos europeus interessados pela obra e incompleta biografia do misterioso escritor alemão é admiravelmente “degustada” pelo leitor iniciado nas práticas dos estudos e investigações literárias. Na segunda, somos levados às profundezas da personagem Óscar Amalfitano, um professor universitário na fictícia cidade mexicana de Santa Tereza, município fronteiriço aparentemente pacato que vem sendo assolado por uma centena de assassinatos brutais não solucionados de mulheres jovens. Estes crimes são apresentados e esmiuçados na terceira e quarta parte da obra por intermédio de óticas distintas (jornalistas estrangeiros, policiais, etc). E, por fim, a parte que “resolve” a figura espectral Archimboldi.
Não espere, querido leitor, encontrar na obra a satisfação ordinária resultante de um romance quadrado de mistério e suspense. Esta trama alcança outras esferas e é de se esperar que não se conclua plenamente sem reverberar na obra completa de um escritor consciente do fazer literário (acredite: as demais obras de Bolaño nos oferecem, mencionando diretamente ou não a figura de Archimboldi - num teimoso e obscuro diálogo entre si - um verdadeiro emaranhado de pistas aparentemente interligadas). Vale!
segunda-feira, 1 de abril de 2013
Tapioca recheada com vento doce
Da inocência
domingo, 31 de março de 2013
Beatnik Caboclo, ou o Samurai Malandro, ou o Caipira Cabotino
“(...)Chega. Tudo chega. Chega o auge.
O que eu sou me chega”.
(Auge, in: Jornal Correio de Notícias)
Evoé, Leminski. Vale!
MIRANDA, Rafael Puertas de. Beatnik Caboclo, ou o Samurai Malandro, ou o Caipira Cabotino. Jornal Mogi News, Mogi das Cruzes, 10 de Março de 2013. Caderno Variedades, p. 02.
Dos “erros editoriais” e suas bizarras consequências
Capa da edição recolhida pela Ed. Record. |
Tom sobre tom
segunda-feira, 10 de dezembro de 2012
Forma e Revolução
Augusto de Campos, Décio Pignatari e Haroldo de Campos, a Tríade Concretista. |
num interstício de marfim,
entre a clareza do início
e a celeuma do fim.
de errata a penas deslinda as feias
fauces dos grifos e se refrata:
onde se lê leia-se.
mas sim o que escrevo:
Algures Alguém
são ecos do enlevo.