sexta-feira, 18 de setembro de 2020

Conto Fantástico "A Aranha", de Rafael Puertas de Miranda.

A Aranha

    Eu não acredito em assombração ou em forças sobrenaturais, mas ainda não me recuperei completamente daquele acontecimento atordoante.
   Era um feriado prolongado e as atividades na Universidade estavam suspensas. Meu colega de quarto, Rogério, convidou-me para passar estes dias mortos na casa de sua Tia Alberta, que vivia em Ubatuba.
    A viagem foi agradável e sem imprevistos. Chegamos à residência de Alberta no final da tarde. Era uma casa assobradada, espaçosa e arejada. As enormes paredes da sala eram adornadas com máscaras tribais, talvez de origem havaiana, que combinavam com a atmosfera do lugar.
   Uma enfermeira cuidava da parenta de Rogério que, por conta de algum acontecimento traumatizante desconhecido da família, passava os dias em silêncio, sentada numa cadeira de balanço, penteando seus longos cabelos negros como a noite. Chegaram a cogitar um grave quadro depressivo.
    Senti certa tristeza, pois esperava uma recepção mais calorosa. A senhora idosa, com seus olhos estáticos, enchia-me de aflição. Sentada no sofá, acompanhava seus movimentos metódicos. Às vezes, esperava que ela se mexesse e se levantasse, rompendo subitamente com aquele estado de transe que teimava abismo.
    — Mas esse cachorro não para de latir nunca? – disse Rogério, incomodado com o cão do vizinho, enquanto levava nossas malas para os quartos, no andar de cima.
    O animal, desde a nossa chegada, manifestava uma irritação anormal.
    — Acho que esse cachorro é louco! Mudou há pouco para cá. Átila é o nome dele. Passa o dia inteiro latindo. – explicou a enfermeira, já acostumada com os desvarios do cão.
    Lembro-me bem de que, quando me deitei para dormir, na cama do quarto de hóspedes, ainda ouvia os latidos do nosso vizinho inconveniente. Levou tempo para que eu pegasse no sono.
    De madrugada, aconteceu o incidente. Meio enjoada, despertei com uma sede terrível. Percebi, antes de sair do quarto em busca de um copo com água, que havia algo de diferente.
    Demorei para me dar conta de que o cão amalucado estava em silêncio profundo. Decerto, esgotou-se e agora, inerte como uma pedra, dormia em algum canto do jardim; pensei comigo.
    Desci as escadas, preocupada em não fazer barulho. Não queria acordar ninguém. Já estava saltando o último degrau, quando notei, de soslaio, um movimento estranho, num dos cantos da sala.
    Virei-me rapidamente e vi uma cena inexplicavelmente bizarra. Alberta estava de pé próxima à parede e seus cabelos, como se fossem dotados de vontade própria, erguiam-na do chão, escalando as reentrâncias do reboco rústico, pouco a pouco.
    Os fios, como uma enorme e felpuda aranha negra, pareciam ter vida própria e se expandiam em silêncio, embora pulsassem como se fossem embalados por uma energia sinistra e invisível, irradiada sabe-se lá de onde.
    Lembro-me nitidamente do terror que me congelava as pernas, subindo pelo meu corpo como os cabelos escuros subiam pela parede. Nenhum som conseguia brotar da secura da minha boca.
    Então, a minha visão foi escurecendo e, quando recobrei a consciência, era de manhã e estava esparramada no tapete da sala vazia. Arrastei-me até o quarto para dormir mais algumas horas e quando acordei novamente, Rogério me chamava para o café. 
   Tudo voltara ao normal. Alberta repousava em silêncio na cadeira de balanço, o Sol invadia a casa pela vidraça, o cachorro latia obstinadamente e o meu amigo de faculdade se preparava para um dia inteiro na praia.
   Demorou um pouco, mas criei coragem e contei a história toda para Rogério. Ele desconversou e me disse que certamente eu teria sonhado com tudo aquilo. 
    — Acho que você é sonâmbula! – disse rindo e, em seguida, percebendo a minha preocupação, mudou rapidamente de assunto.
    Naquela tarde, arrumei as minhas malas e voltei para a Capital, abandonando de vez todo aquele mistério, meu amigo, o Sol, a praia e o barulho infernal daquela fera insistente que rasgava o silêncio do dia.

© Rafael Puertas de Miranda

segunda-feira, 21 de março de 2016

Capitu, adorável traidora.

 
    Desde que a crítica estadunidense Helen Caldwell publicou, na década de 1960, o inusitado livro: “O Otelo brasileiro de Machado de Assis”, uma verdadeira onda de acólitos, estrangeiros e nacionais, abraçou, nos anos que se seguiram, a causa da plena absolvição da personagem Capitolina, acusada de adultério descarado pelo próprio marido, Bento Santiago, no romance “Dom Casmurro (1899)”, de Machado de Assis. 
    Segundo Helen, o brasileiro comum, vítima de uma mentalidade contaminada por uma estrutura tipicamente patriarcal, machista, tende a enxergar a promiscuidade onde não há e o problemático e obsessivo narrador personagem do romance não merece a mínima confiança. Consolidou-se, desta maneira, a hipótese rala de que não houve traição, para desespero de muitos dos guardiões de nossas letras.
    Em verdade, desde as primeiras páginas de Dom Casmurro, somos apresentados a um Romance “Omisso"; repleto de lacunas a serem preenchidas segundo as orientações de um homem traído. Vários críticos contemporâneos de Machado, entre eles Arthur de Azevedo, repercutiram o lançamento da referida obra, destacando-a como uma empolgante história de traição e o Bruxo do Cosme Velho, que era profundamente cioso de seus textos, nunca escreveu nada a respeito destas análises, desmentindo-as, satirizando-as. Àquela altura, a personagem era tratada como uma traidora.
    A atrevida Capitu, filha de “Pobres-Diabos”, sabe que deve, a todo custo, “entrar” para a casa da endinheirada família Santiago; prover sua ascensão social. Num primeiro momento falha, pois Bentinho, executando a promessa da mãe (falta iniciativa ao coitado para negar sua sina infeliz), interna-se num seminário. 
    Quando tem a oportunidade de retornar à casa materna, o rapaz se depara com uma Capitu inconfortavelmente travestida de “agregada”, fazendo pose de filha substituta na sala de D. Glória. 
    Adiante, a obrigação do seminário é contornada e a moça pode, enfim, livrar-se do fingimento e dedicar-se novamente ao projeto inicial. Agora, nada impediria o casamento dos dois enamorados. Chegara a hora de gozar a plena felicidade. 
    No entanto, para satisfação da sanha devassa do tempo que não costumava ignorar esse tipo de evento caseiro e constrangedor, dois anos escorrem e o casal não é capaz de gerar um filho.     Esse desgosto os atormenta (ambos têm seus motivos); "nada corria bem".
    Bentinho não é o primeiro tipo estéril da galeria Machadiana e ninguém melhor do que o autor realista para abordar tal assunto: Machado não teve filhos (dentro do casamento, segundo as más línguas).
    E, assim, depois de muita espera e reza, nasce uma criança, seguida de uma suspeita, uma certeza, um exílio e, no fim, a solidão.
    Depois desta exposição, espero que não me compreenda mal, querido leitor: Capitu é, surpreendente, moderna. Bem mais interessante e poderosa do que muitas mulheres que encontramos pela estrada à fora (ela torceu o próprio destino). Machismo, portanto, é atestar veementemente que uma moça tão autêntica, decidida, criativa, sedutora e extrovertida não trairia um homem tão esvaziado de iniciativa quanto Bento Santiago, um "boco-moco". Não duvidem: Capitu realizou-se. Ela nos olha.

MIRANDA, Rafael Puertas de. Capitu, adorável traidora. Jornal Mogi News, Mogi das Cruzes,  05 de Junho de 2011. Caderno Variedades, p. 03.

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Papo de Arroz: Anderson Magalhães e seu "Desespero".


Ainda nesta semana, entre os trancos e barrancos de uma vida atarefada, chegou aos meus olhos a edição de novembro da revista Actual Magazine (nº 15), distribuída gratuitamente nos municípios da região. Para minha profunda surpresa e decepção, a referida publicação trazia, no seu típico miolo desmiolado, um texto intitulado “Desespero”, escrito pelo colunista social Anderson Magalhães, singelo arroz de festa da noite mogiana.
Valendo-se de um discurso asqueroso, rancoroso e esvaziado de bom senso, Magalhães propõe uma sistemática campanha para evitar que o “povão” vote no segundo turno, o que, segundo ele, resultaria na derrota do grupo político que administra o governo federal; a famigerada “situação”.
Sua ampla concepção de “povão” (leia-se: pobres, imbecis e desclassificados) abrange, de maneira tocante e arbitrária, traficantes, empregadas domésticas, entusiastas do “forró”, porteiros, passageiros de trens e de ônibus, expectadores da TV aberta, analfabetos e, principalmente, Nordestinos.
Segundo o articulista pouco articulado, caso estes indivíduos sejam boicotados, trancafiados, interditados, desintegrados, sequestrados (e etc.); na hora do pleito, o resultado da eleição será (ou seria) outro. Afinal de contas, para que existe a democracia, não é mesmo? Que não saiam da senzala!
Enfim, o fim!
Pouco tempo depois da publicação do texto, Magalhães postou uma breve retratação nas redes sociais, afirmando que fora “mal interpretado” e que sua intenção era apenas a de ser “irônico”. Sua suposta “intenção”, no entanto, não o absolve de suas injúrias e a revista (o contexto da publicação) amplifica a sua brutalidade: não há foto de “povão, segundo Magalhães”, naquelas bandas.
Como sujeito ordinário que sou, usuário de transporte público metropolitano e leitor assíduo de Lima Barreto, Machado de Assis, Fernando Pessoa e Fiódor Dostoiévski, espero que o meu direito de votar não seja usurpado. Nossa democracia é anêmica e, definitivamente, não pode ser alvo de ignorâncias rasteiras dessa natureza.
Também o arroz é vítima de seu próprio veneno. Ao anunciar o eleitor ideal, vocifera: “e, para ter seu voto validado, todos terão de formular uma frase inteira sem erros de concordância e com todos os plurais”; mas, contrariando-se, no início do texto, escorrega feio: “faça com que Dilma e sua corja perca seus votos”! Que é isso, rapaz? Ou vai me dizer que forçou uma "concordância ideológica"? Olha, nesse caso, não salvação! (Risos).

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Das possibilidades

Mário Cochrane de Alencar (1872-1925) e Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908).

          No interessante trabalho: “Realidade Possível: dilemas da ficção em Henry James e Machado de Assis” (Vol. 41 da Coleção “Estudos Literários” - Ateliê Editorial, 2012), o crítico e professor Marcelo Pen Parreira, ao analisar os pontos de convergência entre o autor norte-americano e o brasileiro com enorme clareza e amplo repertório (dignos de um eficiente “comparatista”), destaca a carência de provas que ajudem a dimensionar com exatidão a ligação, ou o tipo de influência que o autor americano tenha exercido sobre o autor brasileiro.
          Aparentemente, Machado não leu as obras de seu contemporâneo, não as possuía em sua vasta biblioteca e não as teria comentado em seus artigos, cadernos, anotações esparsas e escritos íntimos. Também restam dúvidas quanto ao domínio da língua inglesa. Mesmo traduzindo canhestramente o poema “O Corvo” (de Poe) e até mesmo Oliver Twist (de Dickens), há indícios de que tenha se valido, na verdade, de edições francesas das referidas obras (Machado dominava a língua francesa). Segundo Marcelo Pen: “O certo é que James nunca leu Machado, e é provável que o segundo também não tenha tido grande (ou nenhum) conhecimento do primeiro”.
          Pairando sobre o campo das possibilidades, o jornalista e escritor carioca Carlos Heitor Cony (1926-), no ano de 1999, passou a divulgar suas conjecturas a respeito de um intrigante episódio da biografia machadiana. Ao vasculhar o polêmico “Diário Secreto”, do escritor Humberto de Campos (1886-1934), publicado com estardalhaço na revista O Cruzeiro; localizou, num trecho de uma das impressões pessoais do autor maranhense, insinuações de que Machado de Assis seria o pai biológico do também escritor Mário de Alencar, supostamente filho do escritor romântico José de Alencar.
          Mário, filho de Georgina Augusta Cochrane (“filha de um aristocrata britânico excêntrico”), possuía alguns traços fisionômicos de Machado, amigo da família, além de manifestar a mesma enfermidade que debilitava o autor realista: a epilepsia. No final da vida, o bruxo do Cosme Velho o transformou em amigo íntimo, recomendando-o, inclusive, à ABL, onde o rapaz foi agraciado com o título de imortal, tendo apenas publicado um livro (Mário sendo acolhido à casa do pai, ao menos, simbolicamente-?). Também, o romance "Dom Casmurro" (1899) seria uma espécie de espiação: a traidora Capitu seria o alter ego de Machado.
          Dando razão a Cony, resta saber o quanto da cultura inglesa Machado levou consigo destes encontros clandestinos com a mulher de Alencar.
MIRANDA, Rafael Puertas de. Das possibilidades. Jornal Mogi News, Mogi das Cruzes, 22 de Setembro de 2013. Caderno Variedades, p. 07.


domingo, 8 de setembro de 2013

Da amizade

 
Mário de Andrade. Desenho: Odiléa Setti Toscano
 
          No interessante ensaio intitulado “O Ateneu”, publicado em 1941 e, em seguida, agregado à obra “Aspectos da Literatura Brasileira”, o crítico e poeta modernista brasileiro Mário Raul de Moraes Andrade (1893-1945) demonstra sua inquietação diante do fato de que, no referido romance de Raul Pompeia (1863-1895), retrato da vida colegial do narrador protagonista Sérgio (e espécie de vingança do próprio autor contra o seu internamento no colégio Abílio, nos tempos de estudante), predomina um insuperável, trágico e absurdo traço conceptivo: a insensibilidade do escritor fluminense ante a idade da adolescência e o sentimento de amizade.
          Manifestando um temperamento atormentado e polêmico, Raul Pompeia, que poria um fim à própria vida aos trinta e três anos de idade com um tiro certeiro no coração, sempre se esquivara das pessoas e, segundo Mário de Andrade, daí se originaria sua “insensibilidade” diante desse sentimento:
“Parece hoje verdade assentada que Raul Pompeia não teve nenhum amigo íntimo, que lhe frequentasse a casa e a alma nua. Só teve ‘amigos de rua’, diz Eloy Pontes. Rodrigo Otávio, que morou paredes meias com ele, conta que tinham ambos, de sacada a sacada, conversas longas(...). E viveram tempos nesse lerolero sem que jamais Pompeia abrisse ao companheiro as portas de casa. E muito menos de seu coração.
Assim guardado, assim escondido em si mesmo, é possível que ele arrastasse consigo algum segredo mau, uma tara, uma desgraça íntima que jamais teve forças pra aceitar lealmente e converter a elemento de luta e de realização pessoal. E por isso, jamais poude conquistar para seu completamento e aperfeiçoamento, a sublime graça de um amigo íntimo. E o reflexo dessa falha está no Ateneu (...)”.
          Considerando a chave de interpretação sugerida por Mário, pode-se pensar exatamente o contrário em relação ao escritor português Eça de Queirós (1845-1900), que nos presenteou com os mais escaldantes exemplos de amizade disponíveis nas prateleiras dos cascudos romances realistas de fins do século dezenove. Assim o é a personagem Zé Fernandes, de A Cidade e as Serras, como também o "tronco de árvore", o Sebastião, o Sebastiarrão; amigo inseparável de Jorge n’O Primo Basílio.
          Ironias à parte, também faltou a Mário a tal “força” a ser convertida em elemento de luta: há fantasmas no (ar)mário. Entretanto, para o autor de Macunaíma não faltaram amizades verdadeiras.
 
MIRANDA, Rafael Puertas de. Da amizade. Jornal Mogi News, Mogi das Cruzes, 08 de Setembro de 2013. Caderno Variedades, p. 07.

Da "Teoria do Arroz"

 
          Certa vez, num de seus brejeiros e entusiásticos arroubos arrebatadores de discípulos, Monteiro Lobato sentenciara que a Literatura Brasileira passava por uma crise séria de “falta de vitamina”; avitaminose séria. Isto porque, segundo o pai da Emília, muito escritorzinho, com o intuito de fazer de suas páginas o suprassumo do acabamento da composição, despreza as “insignificâncias da língua viva”. Como resultado, as obras anêmicas desapareciam logo das prateleiras e seus apáticos autores amargavam fundo ostracismo.
          A fim de alinhavar a própria tese, coroando-a com situações históricas análogas, Lobato costumava citar a “teoria do arroz”, passagem célebre da biografia da Vitamina B: “Os holandeses de Java comiam o melhor arroz disponível, arroz polido, e eram devastados pelo beribéri, enquanto os nativos, que comiam arroz da pior qualidade, com película e tudo, desconheciam a moléstia. Até que especialistas descobriram que o preventivo da doença e mesmo o específico do tratamento estavam na casca desprezada do arroz”.
          Em seguida, cuspia sua conclusão, articulada nos seguintes termos: faz parte também dos nossos hábitos literários desprezar pequenos desvios da linguagem falada considerados inúteis e que, na verdade, comportam um grande poder vitamínico. Tanto limpamos o arroz que tiramos dele sua potência. Não há obra literária, portanto, que resista a tanta fraqueza, sobretudo aquelas que apresentam “boa aparência” e conteúdo linguístico ralo.
          Espertalhão, basta uma ligeira espiada em sua obra “adulta” para que se conclua que o pai do Jeca peneirava bem a própria língua. Portanto, a receita sugerida aos colegas fora por ele bem desprezada.
          O tempo passou e o emprego da língua viva na literatura brasileira assentou-se. Se ainda houver dúvida, basta sorver, numa destas noites frias, a nutritiva prosa de um João Guimarães Rosa, entre outros, inclusive, vivos que andam escrevendo por aí. A falta de viço, no entanto, ainda é marca de grande parte da produção contemporânea que circula entre nós e resulta menos de uma linguagem mais despojada do que de uma imprestável mania de se ausentar da realidade, de se ausentar do tempo.
          E isto contribui cada vez mais para o agigantamento do espectro de um Sousândrade, por exemplo, que, no século XIX, discernia todas as engrenagens da sociedade que o circundava e escrevia o “Guesa”, sem fuga, sem "sabiá". Vale!
 
MIRANDA, Rafael Puertas de. Da "Teoria do Arroz". Jornal Mogi News, Mogi das Cruzes, 18 de Agosto de 2013. Caderno Variedades, p. 07.


Do primeiro romance nacional II

 
 
          Alguns outros tantos críticos e historiadores da Literatura Brasileira validam o pioneirismo do romance “O filho do pescador”(1843), de Teixeira e Souza. Nelson Werneck Sodré, na sua História da Literatura Brasileira (seus fundamentos econômicos), destaca “Se deixarmos de parte duas ou três contribuições destituídas de importância e só a rigor abrangidas pelo gênero, verificaremos que o primeiro romancista nacional foi Teixeira e Souza”.
           Antônio Cândido, na obra Formação da Literatura Brasileira (Momentos Decisivos), concorda com o pioneirismo da obra do “carpinteiro de Cabo Frio”, ao mesmo tempo em que expõe a baixa qualidade da literatura produzida pelo autor (no capítulo: “Sob o signo do folhetim: Teixeira e Souza”, da referida obra): “Ele representa (o folhetinesco), com efeito, em todos os traços de forma e conteúdo, em todos os processos e convicções, nos cacoetes, ridículos, virtudes”. Também, José Aderaldo de Castello e Luiz Roncari validam a posição do romance.
          Todos os críticos até aqui mencionados, unanimemente, indicam a consagrada obra “A Moreninha” (1844), do Doutor Joaquim Manuel de Macedo, romance muito mais bem acabado, como o segundo do panteão nacional.
          Não sei se o querido leitor se lembra, mas o assunto, “remoído” no percurso anterior, veio à tona em uma teimosa discussão literária de final de tarde e, agora, explico-a. Um amigo das Letras deitara em minhas mãos um caprichado trabalho de sua autoria a respeito da obra “A Divina Pastora”, do escritor porto-alegrense José Antônio do Vale Caldre e Fião.
          A referida narrativa, publicada no Rio de Janeiro em 1847, com o subtítulo “Novela Rio-grandense”, sufocada pelo esquecimento ou vítima de alguma tramoia, desapareceu de nossas prateleiras, sendo redescoberta apenas em 1992 por um livreiro gaúcho, no Uruguai e, no mesmo ano, republicada. Na mencionada pesquisa, a obra é apresentada como o segundo romance da História da Literatura Brasileira, ficando atrás apenas de “A Moreninha”. O leitor pode imaginar o meu espanto. Orientei o colega que me jurou ter executado uma pesquisa acurada em sites diversos. Acabrunhado, decidi visitar alguns dos sites mencionados e, para meu espanto maior, lá o erro se repetia de forma estrondosa.
           Como diria o outro “No Paraguai, a história do Brasil é outra!”, e parece-me que também no Rio Grande do Sul, a história da Literatura Brasileira não é a mesma.
 
MIRANDA, Rafael Puertas de. Do primeiro romance nacional II. Jornal Mogi News, Mogi das Cruzes, 04 de Agosto de 2013. Caderno Variedades, p. 07.

Do primeiro romance nacional I

 
          Ainda há pouco, numa destas conversas literárias empolgadas que acabam resfolegando sobre o desfiladeiro teimoso das horas, lembro-me bem de citar o pitoresco artigo: Teixeira e Sousa: “O filho do Pescador” e “As Fatalidades de Dous Jovens”, do ilustríssimo e saudoso crítico literário, o senhor Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (1910-1989).
          O Artigo mencionado pode ser encontrado numa republicação de 1977, pelas Edições Melhoramentos, do romance romântico “O filho do pescador”, de Teixeira e Sousa (1812-1861), lançado originalmente no ano de 1943 e, por isso, considerado o primeiro “romance” brasileiro.
          Buarque, no seu texto, apresenta de forma didática a evolução da polêmica em torno de qual narrativa de nossa história literária nacional poderia ter inaugurado a prática romanesca. Explica que, durante muito tempo, Teixeira e Souza fora considerado o pai do romance em nossas plagas. Críticos da envergadura de um Sílvio Romero (“tacitamente”), de um José Veríssimo e Ronald de Carvalho (“de maneira expressa”), sempre validaram a referida primazia. O Sr. Afrânio Peixoto atribuía a Nuno Marques Pereira, com o seu “O Peregrino da América” o direito de precedência; tese que Veríssimo esculachava, haja vista que a referida obra não poderia ser identificada com o gênero Romance (“obra de moral e edificação religiosa”).
          Narrativa que por ventura poderia destituir Teixeira seria “As Duas Órfãs”, publicada em 1841 e batizada pelo próprio autor (Joaquim Norberto) como romance. A narrativa, no entanto, não excede quarenta páginas, sendo, portanto, confortavelmente classificada pela crítica como uma Novela.
          Tentativas anteriores havia — de Pereira da Silva (Jerônimo Corte Real, 1839) e de Varnhagen (Crônica do Descobrimento do Brasil, 1840) — as quais tampouco se identificam com o caráter ficcional da narrativa romanesca.
          Ainda, Buarque relata que, em 1938, o português Ernesto Enes, num, ensaio atestara a existência do romance brasileiro em meados do século XVIII, quando saíram as “Máximas de Virtude e Formosura”, de autoria da paulista, radicada em Portugal, Teresa Margarida da Silva e Orta. A obra, segundo Buarque, não reflete nosso meio. A distinta senhora, então, deve ser observada como autora portuguesa. “(...) O mestiço de Cabo Frio”, vaticina, “é que dá começo à história do nosso romance — do romance brasileiro, situado no Brasil”. (Continua)
 
MIRANDA, Rafael Puertas de. Do primeiro romance nacional I. Jornal Mogi News, Mogi das Cruzes, 21 de Julho de 2013. Caderno Variedades, p. 07.

Da cultura caipira



Casa Caipira (década de 80), pintura a óleo de Mário Caserta (1920-2004)
Acervo de Rafael Puertas de Miranda - Mogi das Cruzes (SP).
 
          Em 1872, era publicado, o primeiro dos quatro pequenos volumes que viriam a constituir o pitoresco romance “Til”, do escritor cearense, radicado no Rio de Janeiro, José Martiniano de Alencar (1829-1877).
          Filiado à estética do Romantismo, mas sem abdicar de uma linguagem tipicamente brasileira (a acentuação do título “Senhora” – “ó” –, por exemplo, escandalizou os artistas da metrópole, defensores ferrenhos do beletrismo português), Alencar entendia o fazer literário como forma de construção de uma identidade cultural brasileira. Para dar cabo desta tarefa, seus textos procuraram dar ênfase aos valores e à cultura de cada um dos espaços geográficos de nossa nação.
          Foi assim que, em meados de 1871, resgatando as próprias memórias do período em que frequentou o curso de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo, onde travou contato com a cultura fazendeira/caipira do interior do nosso estado, Alencar começou os rascunhos de “Til”: “É o Til desses livros que se compõem com material próprio, fornecido pela reminiscência, e que portanto se podem escrever em viagem, sobre a perna, ou num canto da mesa de jantar” (in: Guerra dos Mascates).
          Dentro de sua respeitável obra, este romance “regionalista”, ou “sertanejo”, ou “fazendeiro”, desempenha um papel evidentemente secundário. Falta-lhe o brio de narrativas mais amarradas, falta-lhe a prosa poética de “Iracema” (1865).
          Mesmo assim, evidenciam-se duas qualidades admiráveis. A primeira apresenta-se na diversidade singular da numerosa galeria de personagens que a obra comporta. Em “Til” esbarramos com transfigurações locais dos principais “modelos” consagrados pelo romantismo europeu, fazendo-se notar uma espécie de escala gradual/moral que vai da abnegação total à psicopatia vingativa: o anti-herói resignado, o personagem grotesco para além do bem e do mal, a heroína apaixonada, o típico herói eticamente irrepreensível, o jovem Don Juan/aventureiro, a viúva prestativa, o vilão canastrão etc. Berta (ou Inhá, ou Til – como é apelidada por “Brás”), a protagonista da história, incorpora a típica heroína abnegada e altruísta, beirando a santidade: e não há quem diga que “Deus escreve certo por linhas tortas?”, Deus escreve certo por "~" (til).
          A segunda é a naturalidade e entusiasmo com que o autor nos apresenta os aspectos folclóricos (festas, folguedos, cantigas, costumes), entrelaçando-os ao enredo. Vale!
 
MIRANDA, Rafael Puertas de. Da cultura caipira. Jornal Mogi News, Mogi das Cruzes, 07 de Julho de 2013. Caderno Variedades, p. 07.

Na Lata, de Frederico Barbosa

 
Frederico Barbosa (1961-)
 
          Escreveu certa vez o poeta francês Paul Valéry (1875-1945): “Nada há de mais original, nada de mais pessoal do que se alimentar dos outros. É preciso, porém, digeri-los. O leão é feito de cordeiro assimilado”. Atentando para as peculiaridades desta sentença, deve-se, portanto, ao analisar a obra poética de determinado autor, também estar atento às transformações que o mesmo impõe a seus “empréstimos”. Onde se lê “influência”, lê-se muita vez interpretação, reação, resistência, atualização, combate. Todo esse processo coroado com o distanciamento do pedantismo barato e superficial a fim de que se construa uma nutrida e sincera dicção poética. Eis a receita da boa poesia contemporânea que circula entre nós.
          Ajusta-se a mencionada chave à recém-publicada obra “Na Lata” (Ed. Iluminuras), que comporta a poesia reunida (de 1978 a 2013) do poeta/performer  e entusiasta da literatura pernambucano, radicado em São Paulo, Frederico Barbosa (1961-). Renegando uma ordenação cronológica de sua trajetória artística literária, que por ventura limitasse a potência expressiva de seus textos, optou o poeta pela original divisão e mistura de todos os seus poemas em distintos blocos temáticos, ressaltando, desta forma, os possíveis diálogos entre as peças (algumas, inclusive, retocadas e revisadas). O resultado da façanha é a completa anulação de uma perspectiva temporal que dá a edição o caráter de ineditismo: “um livro absolutamente novo”, segundo o autor.
 
 
          Ao mergulhar em seus versos, deparamo-nos com o espírito da conduta construtiva de João Cabral de Melo Neto, os espectros da poesia concreta, as imagens pesadas de Eliot, os ecos da prosa poética de James Joyce, a insolência sensual e os arroubos formais de Gregório de Matos, a deglutição dos experimentalismos oswaldianos (fractais), a musicalidade sugestiva dos simbolistas, a dimensão febril de Fernando Pessoa, a pedra rala de Drummond, as folhas da relva, a música popular brasileira, “o oco sem beiras”.
          O reconhecido esmero do poeta na construção de uma linguagem e estrutura a serviço de um “eu” inquieto (inquietação digna de um “siri na lata”, como diriam os caiçaras sabidos) nos arrasta ao olho do furacão de uma realidade liquefeita, teimando convulsão e resvalando no caos (portanto, “Tapa na cara dos reaças!”). Enfim, obra imperdível que deve habitar prateleiras de livrarias que desejam escapar da fama de ordinárias. Vale!
 
MIRANDA, Rafael Puertas de. Na Lata, de Frederico Barbosa. Jornal Mogi News, Mogi das Cruzes, 23 de Junho de 2013. Caderno Variedades, p. 07.


segunda-feira, 10 de junho de 2013

O bicho azul do Sr. Zuck

“(...)Este, que aqui aportou,
Foi por não ser existindo.
Sem existir nos bastou."
(Fernando Pessoa )
Indubitavelmente duvidoso,
o bicho azul, sem norte, nem s(o)ul,
anda solto,
alheio a segredo e o que
quer que o valha em resoluta
aspiração de ser como si.
 
O bicho azul não é livro, não é livre.
 
Mesmo social de intensas bocas secas,
o bicho azul não tem rabo, ou pele,
e dispensa apresentação,
dispensa o sussurro ao pé do ouvido,
dispensa um abraço.
Fingindo rede, o bicho azul afugenta repouso.
Vício nosso rosto,
algoritmo insosso.
 
O bicho azul me leva em coleira,
o bicho azul me bota coragem,
o bicho azul me azucrina,
o bicho azul, contrariando a inabalável incognoscibilidade
dos códigos sinistros,
ruge,
late,
pia;
o bicho azul mente bem coisas lindas para me ninar
e eu acredito,
e a minha tristeza não passa
e o céu permanece cinza.
 
Tudo parece herdar um pouco da cor do bicho azul.
Nele, as pessoas são famosas,
bombas pulverizam criancinhas indefesas,
cabeças arejadas distribuem flores,
conservadores conservam suas conservas,
fetos mortos repousam em caixas de sapato,
cartazes embotam de sangue,
gases lacrimejam a paulista,
poetas distraem as horas,
balas encontram corpos santificados
e
odiosos, das mais diversas espécies e siglas,
desfilam em carros alegóricos dourados.
 
E assim,
teimando aumentado fim,
o bicho azul do Sr. Zuck, quem diria,
rosnando nossa contradição,
exibe seus dentes afiados,
no olho do furacão.

MIRANDA, Rafael Puertas de. O bicho azul do Sr. ZuckJornal Mogi News, Mogi das Cruzes, 26 de Maio de 2013. Caderno Variedades, p. 07.

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Archimboldianas I

 
No ápice da convalescença do que viria a se consolidar como um quadro fatal de falência hepática, o escritor chileno Roberto Bolaño (1953-2003) instruiu seus familiares e editores a respeito da dinâmica a ser adotada na publicação de sua última obra, uma caudalosa narrativa intitulada ”2666”.
O romance, segundo Bolaño, deveria ser publicado em cinco partes, respeitando o intervalo de um ano para cada volume. No entanto, após a morte prematura do escritor, o amigo e estudioso que nomeara como responsável por assuntos pertinentes ao seu fazer literário, Ignacio Echevarría, depois de analisar o material de trabalho e o resultado final, sugere que o romance seja publicado em volume único, a fim de garantir a integridade de seu valor literário.
E, assim, no ano de 2004, é publicada postumamente aquela que viria a se consolidar como a obra máxima de um escritor facilmente elencado como um dos grandes prosadores da literatura contemporânea. No Brasil, o romance “2666” é publicado tardiamente em 2010 (tradução de Eduardo Brandão que integra o catálogo da editora Companhia das Letras).
Com seu estilo agressivo, despojado e febril, a narrativa apresenta uma sucessão intensa e movediça de episódios interligados pela figura fictícia de um enigmático, talentoso e recolhido escritor alemão: Benno von Archimboldi.
A primeira parte da trama, que narra as peripécias de quatro estudiosos europeus interessados pela obra e incompleta biografia do misterioso escritor alemão é admiravelmente “degustada” pelo leitor iniciado nas práticas dos estudos e investigações literárias. Na segunda, somos levados às profundezas da personagem Óscar Amalfitano, um professor universitário na fictícia cidade mexicana de Santa Tereza, município fronteiriço aparentemente pacato que vem sendo assolado por uma centena de assassinatos brutais não solucionados de mulheres jovens. Estes crimes são apresentados e esmiuçados na terceira e quarta parte da obra por intermédio de óticas distintas (jornalistas estrangeiros, policiais, etc). E, por fim, a parte que “resolve” a figura espectral Archimboldi.
Não espere, querido leitor, encontrar na obra a satisfação ordinária resultante de um romance quadrado de mistério e suspense. Esta trama alcança outras esferas e é de se esperar que não se conclua plenamente sem reverberar na obra completa de um escritor consciente do fazer literário (acredite: as demais obras de Bolaño nos oferecem, mencionando diretamente ou não a figura de Archimboldi - num teimoso e obscuro diálogo entre si - um verdadeiro emaranhado de pistas aparentemente interligadas). Vale!
MIRANDA, Rafael Puertas de. Archimboldianas I. Jornal Mogi News, Mogi das Cruzes, 14 de Abril de 2013. Caderno Variedades, p. 07.

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Tapioca recheada com vento doce

Macunaíma saiu bem rindo do ciclope Polifemo: “Eu sou ninguenzada, paixão! Taca a pedra, vai!” (e Netuno não gostou nada da má-criação). Bovary, entre dentes, torceu o vestido empenhado em leilão, enquanto Capitolina, de bolsos cheios, cuspia moscas e maldizia a solidão. Uma baleia branca exibia arpões de aço presos no couro: piercings inofensivos da ira de alguém, alucinação (“para mim, basta que sejam humanos, porque coisa pior não há” - repetia em marcha ré); e também um velho pescador Santiago (talvez até mais velho que a própria velhice) escamava peixes com as próprias mãos. Maria Sara, com uma vareta, repartia lerdamente o próprio chão; ao mesmo tempo em que Diadorim, vestida de macho e mascando o capeta, rasgava as entranhas do Sertão. Do alto da Arcádia, um tal de Dirceu estrangulava Cupido num mata-leão. Fernando Pessoa cansava o silêncio, enquanto heterônimos enjoados jogavam gamão. Do boca do inferno, saía a sanha fingindo canção. Um parvo engraçado é capaz até de ofender o Cão. Enquanto interpelava o gigante capado, o Vasco da Gama largava o timão. Tampouco o pequeno Buendía, com rabo de porco, desconfia da própria maldição. Num beco escuro, contrariando o Círculo, Jaguar inspira lamentação, vitimado pelo aburguesamento cinzento que, de socapa, já levara Leonardinho a uma promoção (“Vi o Vidigal, fiquei sem sangue, se não for ligeiro, o quati me lambe!”).  A cama espaçosa devora os Bloom e Stephen sem distinção. Na rua, sobrevoando lamparinas, o senhor Sansa regurgita inseticidas inócuos pelos vãos. Sancho desconfia um pouco da lucidez de seu próprio patrão. A natureza mia, enquanto Crusoé afia o bambu e come mamão. Chegando ao cais de sua terra natal, Gulliver, porque se achava ainda maior que seus conterrâneos, quase foi atropelado por um cavalo alazão. Gandalf fumava cachimbo e o Sr. Holmes suspirava ópio na contramão. Beatriz era mocreia, mas esperava, triunfante, no assento etéreo e perfumado a própria alusão. Na falta de tinta, Mefistófeles reclama o sangue da transação. D’Artagnan tomava cerveja num copo sujo, em contrição. Com tempo de sobra e um biscoito na boca é possível relembrar o cheiro de gente esnobe e problemática - Proust(ituição); por pouco, Castorp aprende a tossir como gente que morre de mal de pulmão. Mersault cuspia na mãe e o pequeno Oskar era só uma cabeça e pouca ambição. Almafitano misterioso olhava desconfiado para esta insolação. "Ai" que saudade eu tenho dum sabiá 18 quilates numa palmeira (como se um sabiá empoleirasse costumeiramente numa palmeira longínqua), ou na flor do maracujá, ou na aurora de alguma vida, ou no lombo da última quimera enterrada às pressas, ou na orelha de quem fala com estrelas, ou na boca porca da Macabéa. NOIGRANDESNUDOGALÁXIASTÃO. Um bonde para Pasárgada não ultrapassaria, em velocidade, um corvo bem treinado, teimando avião. Gatos pretos, dizem os doidos, dão azar e são delatores (ou não?). Drummond, indiferente a máquina do mundo, apagou a luz da repartição.

MIRANDA, Rafael Puertas de. MaçarocaJornal Mogi News, Mogi das Cruzes, 24 de Março de 2013. Caderno Variedades, p. 07.

Da inocência

No posfácio da polêmica e complexa obra Lolita (1955), intitulado “Sobre um livro chamado Lolita”, o escritor e crítico literário russo Vladimir Nabokov (1899-1977) põe o leitor a par das agruras vivenciadas por ele, enquanto ainda procurava uma editora que se interessasse pela publicação daquele que viria a se tornar um dos romances mais constrangedores e bem construídos de todos os tempos.
Naquela época, década de cinquenta, a publicação de um livro que apresentasse um pedófilo (ou “ninfolepto”, como a personagem justifica eufemisticamente a sua própria obsessão – termo forjado pelo próprio Nabokov) concretizando suas vontades e ainda dotado de um discurso insinuante capaz de desnudar a hipocrisia moral, relativizando os bons costumes norte-americanos, era praticamente inviável (a narrativa só fora publicada na América em 1958). Ainda hoje, Lolita desperta amores e ódios, perplexidade e repulsa, por vezes, de forma concomitante. Não há como sair ileso.
No Brasil, a obra ganhou uma celebrada tradução em língua portuguesa, levada a cabo pelo literato Jorio Dauster, que, respeitando os procedimentos estilísticos do escritor russo (“Lolita, luz da minha vida, labareda em minha carne. Minha alma, minha lama”), presenteou-nos com a musicalidade e poesia de suas construções.
Acompanhamos espantados, quando mergulhamos na obra, as lembranças angustiantes do professor Humbert Humbert que, ao alugar um quarto numa destas típicas cidades ermas e esquecidas do interior dos Estados Unidos, conhece a filha da senhoria, uma menina de doze anos chamada Dolores, cujo apelido é Lolita. Enquanto convive com a garota, o narrador em primeira pessoa (não confiável, diga-se de passagem) e protagonista enxerga, em cada movimento da garota, uma insinuação. Em determinada altura da narrativa, o destino possibilita que Humbert se “aproprie” da criança. Mas é também o fado que a arrancará das mãos de seu violentador. Não há final feliz.
Há poucos dias, o colunista João Pereira Coutinho, da Folha, anunciou em um artigo o que para ele seria uma “recente polêmica” acerca da obra, mas que, na verdade, circula pelo meio literário há algum tempo: a localização de um conto, publicado em 1916 pelo desconhecido escritor alemão Heinz von Lichberg que, além de possuir um enredo semelhante (a jovem desta narrativa, no entanto, é decidida, “amaldiçoada” e espanhola), também se intitula “Lolita”. No mesmo texto, Coutinho apresenta a tese do neurocientista Oliver Sacks para o caso: na verdade, Nabokov foi alvo de um fenômeno cerebral denominado "criptomnésia". Neste processo, a própria mente esquece as fontes e constrói sua própria “originalidade” sobre elas.
Desconcertante. Esquecem-se ambos de que a Literatura é espaço comum para estes fenômenos intertextuais e de que um intelectual da envergadura de Nabokov, afeito à análise literária, jamais se esqueceria de uma referência tão evidente (nem se estivesse alocada na “outra margem da memória”). Pensar o contrário é muita inocência. O escritor russo, como costumamos sentenciar nas plagas tupiniquins, “deu um gato”, apropriou-se da estória alheia, e pronto.

MIRANDA, Rafael Puertas de. Da inocênciaJornal Mogi News, Mogi das Cruzes, 17 de Março de 2013. Caderno Variedades, p. 07.

domingo, 31 de março de 2013

Beatnik Caboclo, ou o Samurai Malandro, ou o Caipira Cabotino

Durante uma entrevista concedida a um canal televisivo italiano (disponível no Youtube com o título: “Qual é o sentido de escrever?”), o cineasta, roteirista e escritor italiano Pier Paolo Pasolini (1922-1975) - responsável pela bela e polêmica adaptação/releitura: “Salò ou Os 120 Dias de Sodoma” -, quando perguntado a respeito dos possíveis limites da atividade literária, declarou que os mesmos têm uma natureza linguística: “(sic) como poeta e escritor italiano sou muito limitado; preferiria ser um escritor em língua suaíli, que é a 12ª língua do mundo”. Ou seja, depois de Dante, Petrarca e alguns outros nomes de peso, não há nada que se possa fazer com a língua italiana que possua o frescor da originalidade, da inovação.
Há quem diga que com a Língua Portuguesa não acontece de outra forma. No entanto, contrariando estas próprias determinações, surpreendemo-nos ainda com o gênio e a energia de artistas contemporâneos, criadores de novas “formas de escrever”; novas formas de aproveitar esta sublime matéria-prima (a palavra em língua portuguesa) que já “apanhou” tanto e arrancar dela novos estilos, fazendo-a renascer a cada instante.
Exemplo palpável deste fenômeno é o saudoso poeta curitibano Paulo Leminski (1944-1989), que acaba de ganhar uma belíssima edição póstuma: “Toda Poesia” (Ed. Companhia das Letras, 2013). A antologia, apanhado dos principais títulos do autor dedicados à poesia, realoca o Leminski em nossas prateleiras, resgatando uma inventiva e despojada verve poética (“sejamos pelo novo, não pelo belo”), fruto de uma espécie de “deglutição do pau-brasil oswaldiano”, como diria o também saudoso poeta e professor Haroldo de Campos, e que oscilava entre o popular e o erudito (“geração mimeógrafo” – “poesia concreta”), sem se entregar às pieguices típicas dos poetas-escoteiros orfeônicos e seus sonetos entediantes. Também não escapa à obra mencionada as composições/letras que produziu para figuras emblemáticas da Música Popular Brasileira.
Enfim, um excelente panorama da poesia deste verdadeiro judoca das palavras, mas não completo. Já circulam pela internet poemas de sua autoria que não foram incluídos na coletânea. Num deles, divulgado por sua viúva, a também poetisa Alice Ruiz (que já ministrou uma fantástica palestra em Mogi das Cruzes, esmiuçando o fazer poético), o polaco-paranaense escreve:
“(...)Chega. Tudo chega. Chega o auge.
O que eu sou me chega”.
(Auge, in: Jornal Correio de Notícias)
Evoé, Leminski. Vale!

MIRANDA, Rafael Puertas de. Beatnik Caboclo, ou o Samurai Malandro, ou o Caipira CabotinoJornal Mogi News, Mogi das Cruzes, 10 de Março de 2013. Caderno Variedades, p. 02.

Dos “erros editoriais” e suas bizarras consequências

Capa da edição recolhida pela Ed. Record.
Há poucos dias, a Editora carioca Record anunciava o cancelamento da distribuição da alardeada antologia “Poesias nunca publicadas de Caio Fernando Abreu”, resultado da tese defendida pelas pesquisadoras Letícia da Costa Chaplin e Márcia Ivana de Lima, que analisaram “minuciosamente” o espólio de escritos não publicados do autor gaúcho.
O jornalista Caio Fernando Abreu (1948-1996), considerado um dos grandes nomes de sua geração, consagrara-se literariamente com seus textos em prosa (sobretudo, contos e romances) e ainda hoje faz muito sucesso entre os jovens que utilizam redes sociais (seus textos apresentam números expressivos de compartilhamento); também, não é difícil encontrar alunos agarrados a suas obras, marcadas por um estilo poético, conciso e refletoras das (in)certezas angustiantes da vida. Vale muito!
Entenda, então, querido leitor, a enorme expectativa criada com o anúncio da publicação mencionada. Como seria a faceta lírica de um escritor lambuzado de virtuosismo e originalidade? Caio, perseguido durante a ditadura pelo DOPS, antes de se exilar na Europa, escondera-se no sítio da poeta campineira Hilda Hilst. Deste período de convivência (quase dois anos), restaria alguma espécie de evidência poética?
As interrogações já se avolumavam, quando, numa bela tarde, recebemos a notícia da interdição da obra e seu "recolhimento". A Editora alegou, sem mais detalhes, que a publicação apresentava um “erro editorial”. Mas, não demorou muito para que o problema fosse revelado e causasse um verdadeiro estardalhaço nos fóruns de discussão sobre Literatura: na página 49 do referido livro, encontra-se o poema “Barato Total”, que, segundo as organizadoras, aparece em um diário de 1976. Acontece que o texto é na verdade uma música composta por Gilberto Gil e gravada por Gal Costa (há um desenho, inclusive, da cantora na referida página). A Editora, rapidamente, escalou uma nova especialista para revisar a obra e explicar o erro grotesco num prefácio.
Enfim, este caso lastimável, além de lançar sombras espessas sobre o processo de aprovação de trabalhos acadêmicos no Brasil, expõe a fragilidade do corpo revisional da editora em questão e exemplifica o não reconhecimento das ferramentas virtuais durante as etapas de uma pesquisa (cinco sítios de busca consultados apresentam/apontam, como resultado para a expressão “Barato Total”, a referida música de Gilberto Gil). Enfim, só não foi culpa do Abreu!

MIRANDA, Rafael Puertas de. Dos "erros editoriais" e suas bizarras consequênciasJornal Mogi News, Mogi das Cruzes, 17 de Fevereiro de 2013. Caderno Variedades, p. 02.

Tom sobre tom

"O inferno são os outros" (Sartre)
Para o desespero dos apreciadores da “Alta Literatura” e para o verdadeiro regozijo dos consumidores da típica narrativa de gôndola de supermercado, o grande sucesso de vendas do ano que se encerrou há poucas semanas fora a trilogia iniciada pelo romance "Cinquenta Tons de Cinza" (Ed. Intrínseca), da oportunista escritora inglesa Erika Leonard James. Lançado originalmente em 2011 e ultrapassando a marca de vendas de outros consagrados “pacotões culturais” do mesmo gênero, o livro alcançou a marca de milhões de exemplares vendidos também nas plagas tupiniquins.
A obra tem sua gênese no ambiente virtual das “FanFics” (corruptela em inglês para a expressão: ficção criada por fãs). Incomodada com o excesso de decoro da pudicíssima Stephenie Meyer e seu insosso "discurso de castidade" embutido na fraca série “Crepúsculo”, decidiu utilizar as personagens da autora americana numa narrativa carregada de erotismo. Quando a versão digital alcançou sucesso, seus direitos foram adquiridos por uma editora que sugeriu a substituição dos nomes da saga de Meyer, assim como os elementos da cultura vampiresca “clean”.
Na obra de James, narrada em primeira pessoa, somos apresentados a uma tola estudante de jornalismo, aparentemente inexperiente no mundo do sexo, que se envolve com um multimilionário obscuro, que lhe oferece seu amor e uma lista de vantagens em troca de agrados sadomasoquistas e de outras naturezas parafílicas.
Embarcando na narrativa capenga, desorganizada, entupida de clichês de filminhos da sessão da tarde (bem ao estilo Paulo Coelho) e coroada com palavras de baixo calão típicas de um aluno de ensino fundamental, somos apresentados às rasas entranhas desta personagem feminina entediante que, ao mesmo tempo em que luta com suas fantasias de submissão, manifesta um amor perseverante e transformador.
A forma como a escritora aborda as práticas parafílicas apresentadas na obra incomoda; pura demonização. Classificado como “pornô para mamães” e envolvido numa atmosfera de libertinagem, o livro, ao contrário do que se pensa, é mais conservador e careta do que muitas obras que andam soltas por aí.
Mesmo assim, como uma espécie de fábula moderna, incorporou-se ao inconsciente feminino ao resgatar a embotada atmosfera dos “romances cor-de-rosa” das prateleiras do esquecimento e também por fazer supor, erroneamente, às mesmas (as leitoras assíduas) que é possível a total "transformação", ou “reformatação” da personalidade, desejos, hábitos e vontades do sujeito par amoroso do sexo masculino, anulando-o até que, sob os chicotes e outros adereços fetichistas, não reste "tom sobre tom" de sua identidade.

MIRANDA, Rafael Puertas de. Tom sobre tomJornal Mogi News, Mogi das Cruzes, 27 de Janeiro de 2013. Caderno Variedades, p. 02.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Forma e Revolução

"Sem forma revolucionária não há arte revolucionária." 
(Vladimir Vladimirovitch Mayakovsky)
Era a boca da noite, quando despontou nas “redes” a nota de falecimento do poeta jundiaiense Décio Pignatari. Cerca de duas horas depois, ainda nenhum órgão de imprensa divulgara a notícia, o que acabou deixando muita gente ressabiada. Alguns acusavam as alheias mídias, outros, desconfiados, cogitavam a hipótese de que tudo não passasse de mero boato. No caso, a melhor forma de elucidar o mistério é buscar foro privilegiado. Então, ao acessar páginas de amigos próximos do poeta, constatei que não era mentira: Décio não estava mais entre nós.
Quando ainda morava em Osasco, aos vinte e dois anos, publicara seus primeiros poemas na "Revista Brasileira de Poesias" (revista fundada e dirigida por Péricles Eugênio da Silva Ramos, a partir de 1947, na cidade de São Paulo). A breve repercussão de seus textos chama a atenção de dois jovens irmãos poetas Augusto (1931) e Haroldo de Campos (1929-2003) - a publicação de uma fotografia de Décio permite que Haroldo o reconheça em uma tertúlia. Reagindo ao conservadorismo da poesia realizada pela geração de 45, o trio, a partir de 1952, passa a publicar a revista "Noigrandes" (1952-1962), que viria a se tornar o veículo da nova estética inaugurada pelos mesmos, denominada “Concretismo”.
Antecipando a linguagem do espaço virtual e a sensibilidade dos novos tempos, o manifesto concretista (“Plano-piloto para Poesia Concreta”, publicado na segunda edição de Noigrandes) anuncia o fim do verso como unidade rítmico-formal do poema, sua temporalidade e linearidade. A poesia concreta passa, então, a reconhecer o espaço do poema como agente estrutural, enleando a linguagem verbal a não-verbal; uma integração entre som, visualidade e sentido das palavras. Surge um novo campo da linguística, bem específico, resultado desta aproximação: a sintaxe “verbivocovisual” (espacial/icônica/visual).
No mesmo ano, 1956, o grupo lança o movimento oficialmente, durante a Exposição Nacional de Arte Concreta no Museu de Arte Moderna de São Paulo e, no ano seguinte, no saguão do Ministério da Educação e Cultura, no Rio de Janeiro.
A poesia concreta ganha o mundo. Ainda assim, a estética terá ávidos críticos. Em praticamente todas suas entrevistas, Pignatari respondia a estas investidas, indicando, sobretudo, os professores de cursos de letras de universidades públicas como seus maiores algozes (o saudoso crítico Mário Chamie era um dos incansáveis odiadores do Concretismo). Também afirmava que a Poesia Concreta, a despeito de tanto ataque, realizou-se plenamente como intenção artística e não pode ser ignorada; inscreveu-se em nossa “circulação sanguínea”. E tinha razão! Adeus, Poeta.

MIRANDA, Rafael Puertas de. Forma e RevoluçãoJornal Mogi News, Mogi das Cruzes, 09 de Dezembro de 2012. Caderno Variedades, p. 07.


BreveAn 
tologiade
Poemas*de
Décio Pignatari 
(1927-2012)

*disponíveis na rede

Augusto de Campos, Décio Pignatari e Haroldo de Campos, a Tríade Concretista.

















o jogral e a prostituta negra
farsa trágica

Onde eras a mulher deitada, depois
dos ofícios da penumbra, agora
és um poema:

Cansada cornucópia entre festões de rosas murchas.

É à hora carbôni-
ca e o sol em mormaço
entre sonhando e insone.

A legião dos ofendidos demanda
tuas pernas em M,
silenciosa moenda do crepúsculo.

É a hora do rio, o grosso rio que lento flui
flui pelas navalhas das persianas,
rio escuro. Espelhos e ataúdes
em mudo desterro navegam:
Miraste no esquife e morres no espelho.
Morres. Intermorres.
Inter (ataúde e espelho) morres.

Teu lustre em volutas (polvo
barroco sopesando sete
laranjas podres) e teu leito de chumbo
têm as galas do cortejo:

Tudo passa neste rio, menos o rio.

Minérios, flora e cartilagem
acodem com dois moluscos
murchos e cansados,
para que eu te componha, recompondo:

Cansada cornucópia entre festões de rosas murchas.

(Modelo em repouso. Correm-se as mortalhas das
persianas. Guilhotinas de luz lapidam o teu dorso em
rosa: tens um punho decepado e um seio bebendo
na sombra. Inicias o ciclo dos cristais e já cintilas.)

Tua al(gema negra)cova assim soletrada em câma-
ra lenta, levantas a fronte e propalas:
"Há uma estátua afogada..." (Em câmara lenta! – disse).
"Existe uma está-
tua afogada e um poeta feliz(ardo -o
em louros!). Como os lamento e
como os desconheço!
Choremos por ambos."

Choremos por todos – soluço, e entoandum
litúrgico impropério a duas vozes
compomos um simbólico epicédio AAquela
que deitada era um poema e o não é mais.

Suspenso o fôlego, inicias o grande ciclo
subterrâneo de retorno
às grandes amizades sem memória
e já apodreces:

Cansada cornucópia entre festões de rosas murchas.

(1949, em O Carrossel, 1950)

Três poemas ideológicos de amor (1986)

Você já arranhou parde?
          já sentiu o ácaro da rosa ausente
          já mastigou pano
          já viu a romã dar-se à luz em grená
          e o golfinho saltando para o teu útero
Você já ouviu um pintassilgo ouvindo Beteljosa

I amo você

***

ventrava estrelas
                 e azul teu cheiro
                                 e cheiros
                 beiravam pregas
                 de luz e pele
                                 e enchiam o
                                                        cosmos um corpo
                                                        que se beijava
                                                                                por inteiros

***

Morrer em Nínive
desmemoriado
insensível a tudo

não fôra
a grandeza do fim

não fôra a lembrança
daquela terra
de índios e suipsitacídios

onde teus olhos
me falolharam
por tuas bocas

pela primeira vez

EUPOEMA

O lugar onde eu nasci nasceu-me
num interstício de marfim,
entre a clareza do início 
e a celeuma do fim.

Eu jamais soube ler: meu olhar 
de errata a penas deslinda as feias 
fauces dos grifos e se refrata:
onde se lê leia-se.

Eu não sou quem escreve, 
mas sim o que escrevo:
Algures Alguém
são ecos do enlevo.













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