quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Do livro impublicável

BOLAÑO, Roberto. A Literatura Nazi nas Américas. Tradução de Cristina Rodriguez e Artur Guerra. Editora Quetzal: Portugal, 2010.
Em 1996, o talentoso escritor chileno Roberto Bolaño (1953-2003) lançava a novela intitulada "Estrela Distante". A obra, recentemente publicada pela Coleção Folha de Literatura Ibero-Americana (volume 14), tem como personagem principal o "distante" poeta Alberto Ruiz-Tagle que se infiltra em oficinas de poesia para ter contato com a juventude artística da Universidade de Concepción, no Chile. Desta maneira, acaba conhecendo o poeta e narrador da história e os seus amigos literatos. Depois do golpe de Augusto Pinochet, após assassinar uma leva de poetas considerados subversivos (membros/alunos das oficinas espionadas), o sinistro infiltrado reaparece com outro nome Carlos Wieder (do alemão: "outra vez" - o eterno retorno). Movido por ideais éticos e estéticos, o frio Wieder,  agora hábil piloto da Força Aérea Chilena, começa a desenvolver a sua obcecada obra: com trilhas de fumaça, durante apresentações aéreas, passa a escrever obscuros versos no céu do Chile.
Transforma-se, assim, numa espécie de artista oficial do temerário governo chileno. Mas a sua obra doentia - respeitada, mas não inteiramente compreendida - não se limita a estas rápidas e entrecortadas apresentações: Wieder acredita que o resultado de seus assassinatos e torturas constitua singular exemplo de uma nova Arte que desponta no horizonte das estéticas. O horror.
A trama, carregada de uma ironia amargurada, desemboca numa caçada atordoante.
O atemorizante Wieder, porém, não é inaugurado nesta narrativa. Com outro nome (Ramírez Hoffman), no mesmo ano de 1996, Bolaño já o apresentara em outra obra, espécie de dicionário ficcional de escritores (exercício borgiano, diga-se de passagem).
Trata-se do livro "A literatura nazi na América", ainda não publicado no Brasil por covardia ou censura não declarada, o que seria pior (a Editora Cia das Letras é a detentora dos direitos autorais de Bolaño no Brasil).
Isto acontece porque a apresentação de um dos escritores imaginados (Amado Couto), na verdade, é uma espécie de paródia exagerada da biografia do escritor brasileiro Rubem Fonseca, que também é mencionado no próprio capítulo. Bolaño exilou-se no Brasil durante o regime e, aparentemente, topou com Fonseca enquanto esse ainda era funcionário do IPEA (desempenhando sei lá qual função anticomunista para alegrar embaixador americano, no preâmbulo do Golpe de 64). Também, os irmãos Campos (Concretistas) são chamados de "professores anêmicos" e o escritor Osman Lins é indicado como o "dos textos incompreensíveis". 
Pouco tempo depois do início da publicação da obra de Bolaño pela Editora Cia das Letras, Fonseca, que era autor da mesma editora, abandonou-a sem muitas explicações.
Mesmo assim, "A literatura nazi na América" nos convida a refletir sobre a persistência e o recrudescimento do nazismo e talvez esta seja a sua maior importância num tempo onde, parafraseando um grande amigo e mestre, "há certo fascismo no ar" e também, porque não, à beira das urnas, espreitando as teclas insossas do voto.
***
(Adendo:
Em 2019, enfim, a Cia das Letras publicou a referida obra de Bolaño e o fascismo no ar, indicado no fim do texto, materializou-se.)

MIRANDA, Rafael Puertas de. Do livro impublicável. Jornal Mogi News, Mogi das Cruzes, 07 de Outubro e 18 de Novembro de 2012. Caderno Variedades, p. 07.

Nenhum comentário:

Postar um comentário