segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Do cordial cinismo


A contribuição da civilização brasileira para as demais, segundo Sérgio Buarque de Holanda, no capítulo quinto de "Raízes do Brasil" (1936), é o "homem cordial", arquétipo determinado pela "lhaneza no trato, a hospitalidade, a generosidade"; um aglomerado de virtudes que moldam o caráter brasileiro, definindo as relações humanas e que interfere diretamente na abdicação e negação da individualidade: em todas as circunstâncias existenciais da vida, o brasileiro apoia-se no outro, resultado da proeza aparentemente impossível de viver consigo mesmo.
Quanto ao culto religioso, destaca a apropriação dos ritos sagrados. Tudo deve fazer parte do ambiente íntimo do indivíduo. Exemplo crasso é a forma de relacionamento com a mítica cristã, oriunda do período posterior à decadência da religião palaciana, superindividual, em que a vontade comum se manifesta na edificação de grandiosos monumentos góticos; transfigurada em um sentimento religioso mais humano e singelo, capaz de proporcionar uma maior intimidade com as sagradas personagens desta religião, que já não são concebidos como entes privilegiados e eximidos de sentimentos humanos, afrouxando, desta forma, o rigor na prática dos ritos.
Observa, por fim, a impossibilidade do surgimento de elaborações políticas por intermédio de uma estrutura mental doutrinada por uma moral resultante de um culto que apela para os sentimentos e os sentidos (resquícios do ambiente da Contra-Reforma).
Daí o destaque do ideário positivista, ou agnóstico, responsável pela nossa República, e das ações dos Maçons, responsáveis pela nossa Independência. Em ambos os casos, o triunfo da vontade e da razão.
"A atmosfera mental nacional, então, não se faz suficiente madura para dar cabo de ações como essas, geradoras de rupturas, trazendo, ainda em suas entranhas as crendices religiosas que lhe emperram. Hoje, se por um lado sobra mais racionalidade, por outro o cinismo, erva- daninha que se apropria do sujeito, impele-o aos ditames da mediocridade e estagnação. Daí que o espectro do homem cordial se transmuta no símbolo do atraso, contraste que se coaduna a nossa formação."
Enfim, entre a iniciativa do nosso querido Bandeirante degolador de índio (dos nossos Integralistas domésticos) e o escárnio do empacado "homem cordial", fico com o segundo, sob pena de decepcionar o leitor com uma "cachorra" apologia ao doce cinismo, tão comum, inclusive, nestes tempos de voto. Macunaímico.

MIRANDA, Rafael Puertas de. Do cordial cinismo. Jornal Mogi News, Mogi das Cruzes, 19 de Agosto de 2012. Caderno Variedades, p. 07.

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