domingo, 18 de novembro de 2012

Dos rótulos


Em Agosto passado, a editora Cosac Naify lançava a belíssima obra bilíngue “Poemas de Konstantinos Kaváfis – Tradução: Haroldo de Campos” ("Konstantinos/Haroldo/Kaváfis/de Campos"; na capa). A primeira edição, com tiragem de mil e quinhentos exemplares, hoje já é quase uma raridade e não é por menos (aguarda-se uma segunda tiragem). 
Organizado e revisado pelo respeitável tradutor Trajano Vieira (ganhador, em 2012, do prêmio Jabuti pela excelente tradução da Odisseia, de Homero; publicada pela Editora 34), o livro contém o louvável trabalho do saudoso professor e poeta concretista Haroldo de Campos (1929-2003), que vertera do grego moderno 15 poemas do escritor greco-alexandrino Kaváfis. 
Como diria Haroldo, contrariando puristas insossos, trata-se de um trabalho de “transcriação” poética e não uma mera tradução literal. Nos textos, podemos distinguir a própria essência também do tradutor/poeta, que, numa contenda brilhante, nos oferece a alma de um dos mais entusiasmantes e contraditórios nomes da poesia em grego moderno, valorizando sua melopeia, suas construções, sua subjacente ironia e, sobretudo, as sutilezas de uma linguagem despojada e depurada. Ainda, no poema “À espera dos bárbaros”, emprega elementos versíficos de Drummond – propondo um diálogo cabível (interessante a correspondência entre a trajetória dos dois poetas: nascidos em famílias abastadas, terminam a vida desempenhando funções burocráticas no funcionalismo público e escrevendo poemas para suplantarem a "asfixia" de suas funções). 
No prefácio da referida obra, encontramos um poema “kavafiano” de Haroldo de Campos e no apêndice, que forma uma segunda seção, a “transcriação” do poema “A catástrofe de Psara” e de um excerto de “Canto heroico e funeral para o segundo-tenente desaparecido na Albânia”, respectivamente, dos poetas gregos Dionysios Solomos (1798-1857) e Odysséas Elýtis (1911-1996); um breve ensaio de Haroldo (publicado anteriormente na revista “Remate de Males” – UNICAMP), que elucida o processo de  transcriação de um dos poemas de Kaváfis; e, finalmente, a nota final de Trajano Vieira, que nos apresenta a importância do projeto editorial e o trabalho de Campos (os dois traduziram brilhantemente a Ilíada, de Homero). 
Konstantinos Kaváfis (1863-1933) nasceu na Alexandria, numa colônia grega, e sua obra é constituída de 154 poemas reelaborados/recriados durante toda sua vida. Não publicou livros, optando pela distribuição de seus textos em folhas soltas e breves opúsculos. Homossexual assumido, contrariava, em seus poemas, valores tradicionais e, mergulhando na história, reconstruía a visão do oriente helênico, denotando o embate entre a cultura pagã e cristã. A obra resenhada apresenta seus mais famosos poemas. Vale! 
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Em um artigo ralo intitulado “Tradução do alexandrino Konstantinos Kaváfis recoloca autor em cena*”, publicado no dia 31/08/2012 no jornal “O Estado de São Paulo”, o crítico Antonio Gonçalves Filho, ao apresentar a mesma obra, comete, entre outros, dois enganos imperdoáveis: o primeiro ao afirmar que a obra contém 17 poemas de Kaváfis (será que não a leu?) e o segundo (e mais grave) ao acrescentar ao lado do nome do poeta Carlos Drummond de Andrade o rótulo “(homofóbico)”, sugerindo que Haroldo tenha se equivocado profundamente ao empregar suas estruturas. Caro Antonio, por acaso desconhece os poemas homoeróticos de Drummond? Acredito que sim. Inclusive, desconfio de que leia pouco, mas que, mesmo assim, não se canse de distribuir rótulos espúrios a quem não os mereça. Cresça.

MIRANDA, Rafael Puertas de. Dos rótulosJornal Mogi News, Mogi das Cruzes, 25 Novembro de 2012. Caderno Variedades, p. 07.

(*) Link do Artigo mencionado:

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