Certa vez, num de seus brejeiros e entusiásticos arroubos
arrebatadores de discípulos, Monteiro Lobato sentenciara que a Literatura
Brasileira passava por uma crise séria de “falta de vitamina”; avitaminose
séria. Isto porque, segundo o pai da Emília, muito escritorzinho, com o intuito
de fazer de suas páginas o suprassumo do acabamento da composição, despreza as
“insignificâncias da língua viva”. Como resultado, as obras anêmicas
desapareciam logo das prateleiras e seus apáticos autores amargavam fundo
ostracismo.
A fim de alinhavar a própria tese, coroando-a com
situações históricas análogas, Lobato costumava citar a “teoria do arroz”, passagem
célebre da biografia da Vitamina B: “Os holandeses de Java comiam o melhor
arroz disponível, arroz polido, e eram devastados pelo beribéri, enquanto os
nativos, que comiam arroz da pior qualidade, com película e tudo, desconheciam
a moléstia. Até que especialistas descobriram que o preventivo da doença e
mesmo o específico do tratamento estavam na casca desprezada do arroz”.
Em seguida, cuspia sua conclusão, articulada nos
seguintes termos: faz parte também dos nossos hábitos literários desprezar
pequenos desvios da linguagem falada considerados inúteis e que, na verdade,
comportam um grande poder vitamínico. Tanto limpamos o arroz que tiramos dele
sua potência. Não há obra literária, portanto, que resista a tanta fraqueza,
sobretudo aquelas que apresentam “boa aparência” e conteúdo linguístico ralo.
Espertalhão, basta uma ligeira espiada em sua obra “adulta”
para que se conclua que o pai do Jeca peneirava bem a própria língua. Portanto,
a receita sugerida aos colegas fora por ele bem desprezada.
O tempo passou e o emprego da língua viva na
literatura brasileira assentou-se. Se ainda houver dúvida, basta sorver, numa
destas noites frias, a nutritiva prosa de um João Guimarães Rosa, entre outros,
inclusive, vivos que andam escrevendo por aí. A falta de viço, no entanto,
ainda é marca de grande parte da produção contemporânea que circula entre nós e
resulta menos de uma linguagem mais despojada do que de uma imprestável mania
de se ausentar da realidade, de se ausentar do tempo.
E isto contribui cada vez mais para o agigantamento
do espectro de um Sousândrade, por exemplo, que, no século XIX, discernia todas
as engrenagens da sociedade que o circundava e escrevia o “Guesa”, sem fuga, sem "sabiá". Vale!
MIRANDA, Rafael Puertas de. Da "Teoria do Arroz". Jornal Mogi News, Mogi das Cruzes, 18 de Agosto de 2013. Caderno Variedades, p. 07.
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