domingo, 8 de setembro de 2013

Da "Teoria do Arroz"

 
          Certa vez, num de seus brejeiros e entusiásticos arroubos arrebatadores de discípulos, Monteiro Lobato sentenciara que a Literatura Brasileira passava por uma crise séria de “falta de vitamina”; avitaminose séria. Isto porque, segundo o pai da Emília, muito escritorzinho, com o intuito de fazer de suas páginas o suprassumo do acabamento da composição, despreza as “insignificâncias da língua viva”. Como resultado, as obras anêmicas desapareciam logo das prateleiras e seus apáticos autores amargavam fundo ostracismo.
          A fim de alinhavar a própria tese, coroando-a com situações históricas análogas, Lobato costumava citar a “teoria do arroz”, passagem célebre da biografia da Vitamina B: “Os holandeses de Java comiam o melhor arroz disponível, arroz polido, e eram devastados pelo beribéri, enquanto os nativos, que comiam arroz da pior qualidade, com película e tudo, desconheciam a moléstia. Até que especialistas descobriram que o preventivo da doença e mesmo o específico do tratamento estavam na casca desprezada do arroz”.
          Em seguida, cuspia sua conclusão, articulada nos seguintes termos: faz parte também dos nossos hábitos literários desprezar pequenos desvios da linguagem falada considerados inúteis e que, na verdade, comportam um grande poder vitamínico. Tanto limpamos o arroz que tiramos dele sua potência. Não há obra literária, portanto, que resista a tanta fraqueza, sobretudo aquelas que apresentam “boa aparência” e conteúdo linguístico ralo.
          Espertalhão, basta uma ligeira espiada em sua obra “adulta” para que se conclua que o pai do Jeca peneirava bem a própria língua. Portanto, a receita sugerida aos colegas fora por ele bem desprezada.
          O tempo passou e o emprego da língua viva na literatura brasileira assentou-se. Se ainda houver dúvida, basta sorver, numa destas noites frias, a nutritiva prosa de um João Guimarães Rosa, entre outros, inclusive, vivos que andam escrevendo por aí. A falta de viço, no entanto, ainda é marca de grande parte da produção contemporânea que circula entre nós e resulta menos de uma linguagem mais despojada do que de uma imprestável mania de se ausentar da realidade, de se ausentar do tempo.
          E isto contribui cada vez mais para o agigantamento do espectro de um Sousândrade, por exemplo, que, no século XIX, discernia todas as engrenagens da sociedade que o circundava e escrevia o “Guesa”, sem fuga, sem "sabiá". Vale!
 
MIRANDA, Rafael Puertas de. Da "Teoria do Arroz". Jornal Mogi News, Mogi das Cruzes, 18 de Agosto de 2013. Caderno Variedades, p. 07.


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