domingo, 22 de julho de 2012

Geografias


A cinco voos

Escuro ainda,
o pássaro desconhecido senta-se em seu costumeiro galho.

O pequeno cão da vizinhança ladra em seu sono
interrogativamente, somente uma vez.

Talvez em seu sono, também, o pássaro indague
uma ou duas vezes, trinando trêmulo.

Questões - se isso elas são -
respondidas diretamente, simplesmente,
durante o próprio dia.

Enorme manhã lenta, meticulosa;
Luz pálida riscando cada ramo nu,
Cada fino graveto, perfilado,
Fingindo outra árvore, de vítreas veias...

A ave ainda está lá. Agora parece bocejar.

O pequeno cachorro preto corre em seu terreiro.

A voz de seu dono surge, austera,
"Você devia ter vergonha!"
O que ele fizera?
Ele salta alegremente para cima e para baixo,
ele corre em círculos nas caídas folhas.

Obviamente, ele não tem noção do ridículo.

Ele e o pássaro sabem estar tudo resolvido,
todos os devidos cuidados,
não há necessidade de perguntar novamente.

― Ontem nasceu hoje tão brevemente!
(A de ontem acho quase impossível levantar.)

Versão metida à tradução do Poema "Five flights up", de Elizabeth Bishop - Maio, 2012.


O poema acima pertence ao livro "Geography III" (Editora Farrar, Straus and Giroux - 1976), última obra da escritora americana Elizabeth Bishop (1911-1979), uma das grandes vozes poéticas do século XX. 
O livro, marcadamente autobiográfico, é considerado por muitos críticos como o seu trabalho mais vigoroso. Nele, evidenciam-se as características marcantes de uma poesia que se debruça sobre singelos episódios do cotidiano, extraindo, dos mesmos, intenso lirismo.
Verdades emocionais com uma linguagem cheia de exatidão.
Bishop viveu no Brasil cerca de vinte anos. Enquanto aqui esteve, na década de 50, registrou os principais eventos de natureza política que chacoalharam nossa sociedade. Como gostava de pintura, algumas de suas obras catalogadas retratam cenas rurais brasileiras.
Vale!

MIRANDA, Rafael Puertas de. Geografias. Jornal Mogi News, Mogi das Cruzes, 06 de Maio de 2012. Caderno Variedades, p. 07.

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