terça-feira, 29 de maio de 2012

O caráter iniciático da obra pessoana

Numa carta endereçada a Adolfo Casais Monteiro, datada de 13 de Janeiro de 1935, o poeta modernista português Fernando Pessoa, autor da hermética obra Mensagem (1934), declarava: “(...)Há três caminhos para o oculto: o caminho mágico (incluindo práticas como as do espiritismo, intelectualmente no nível da bruxaria, que é magia também), caminho esse extremamente perigoso, em todos os sentidos; o caminho místico, que não tem propriamente perigos, mas é incerto e lento; e o caminho alquímico, o mais difícil e o mais perfeito de todos, porque envolve uma transmutação da própria personalidade que a prepara, sem grandes riscos, antes com defesas que os outros caminhos não têm”.
O raciocínio apresentado no trecho (a escolha do caminho certo) evidencia um dos aspectos mais instigantes da vida do criador dos Heterônimos e, por conseguinte, constitui matéria indispensável para o total entendimento e apreciação de sua singular atividade poética e de considerável conjunto de poemas – estabelecidos pelo crítico português Jorge Nemésio em “A obra poética de F.P.”; e, no Brasil, divulgados pelo professor João Alves das Neves em “F. P.: Poesias Ocultistas” –: o grande apreço do poeta pelo estudo da tradição Hermética e seus desdobramentos (institucionalizações); ou seja, pelo estudo disciplinado das doutrinas ocultistas.
Desta verdadeira “imersão” no imaginário místico e espiritual das correntes esotéricas, investiga e seleciona variada gama de imagens, símbolos, ritos e mitos para depois os incorporar ao seu repertório artístico literário.
Respeitando a ordem cronológica dos eventos, os fatores, que melhor justificam a adesão do poeta a estas correntes, sejam: a presença constante da morte em família, a descendência judaica (era praticante da Cabala), a convivência com a tia médium Anica, os estudos autodidatas de Numerologia e Astrologia, uma suposta iniciação na extinta Ordem Templária portuguesa e o contato com textos de Ordens Iniciáticas ativas (como dominava fluentemente a Língua Inglesa, traduziu para o Português diversos livros doutrinários e ritualísticos).
Deixou-nos, então, considerável obra-esfinge, que obriga o bom estudioso e o leitor astuto a relevarem um diversificado e rico ponto de referência, muitas vezes descartado ou sonegado por aqueles que consideram a tradição do pensamento ocidental e a mitologia cristã como únicos pilares possíveis da formação do pensamento artístico literário. Vale!

MIRANDA, Rafael Puertas de. O caráter iniciático da obra pessoana. Jornal Mogi News, Mogi das Cruzes, 21 de Agosto de 2011. Caderno Variedades, p. 03.

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