terça-feira, 29 de maio de 2012

poemático


Uma breve consulta e contraste dos dicionários que eventualmente se tem à mão podem confirmar as corriqueiras discrepâncias conceituais entre as engajadas explicações dos verbetes “POEMA” e “POESIA”, respectivamente.
Tais desencontros são facilmente justificados, se atentarmos para o percurso desta difícil tarefa teórica que já se desdobrou em volumosa bibliografia responsável pelo estabelecimento de uma tangível e inegável diferença entre termos tão “assanhados” – no passado, inclusive, indissociáveis.
Aristóteles (séc. IV a.C.) já empregava aparentemente os termos (poiema/poiesis) com o mesmo sentido. Também a tradição da língua portuguesa registra a mesma correspondência semântica, excetuando-se as grandes narrativas em versos (Epopeias - agora sem acento graças à reforma ortográfica!), classificados costumeiramente como poemas épicos, poemas heroicos, etc. No século XIX, alguns dicionários da Língua Portuguesa acrescentavam à definição da palavra poesia a conotação de composição poética de pouca extensão (poema curto).
Estas oscilações semânticas (nos sentidos) e a falta de discussão a respeito dos significados “maduros” dos dois vocábulos têm certamente contribuído com os constantes deslizes que habitam os livros de poetas diversos, diletantes ou não (abundam as “minhas poesias” ou simplesmente “poesias”); perpetuando, desta forma, uma noção não adequada aos depurados parâmetros teóricos, que tratam o poema como um objeto empírico, uma realidade concreta, receptáculo material da poesia que, ao contrário, é apresentada como essência mestra, espécie de linguagem particular esvaziada de existência concreta que se faz  presente em outras formas de expressão (há poesia numa boa fotografia).
Toda pessoa que escreve, portanto, é capaz de “parir” um poema. Por isso, o sono entorpece os sentidos, quando somos obrigados a ler um típico e abominável poema de circunstância – “Poema do dia do Índio”, “Poema do dia das Mães” – ou um poema fabricado com rimas tipo “lasanha congelada” – estavam, apaixonavam, brilhavam, etc – ou demais aberrações que povoam prateleiras empoeiradas. Entretanto, a poesia, esfomeada como uma rosa, é resultado de outra aprendizagem e precariamente inoculada em tempos tão prenhes de ignorância e embrutecimento.  
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Dedico este singelo artigo à memória do professor e amigo Erivelto Martins dos Santos. A “História” não será mais a mesma.

MIRANDA, Rafael Puertas de. poemático. Jornal Mogi News, Mogi das Cruzes, 07 de Agosto de 2011 e republicado em 05 de Fevereiro de 2012. Caderno Variedades, p. 03.

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