terça-feira, 29 de maio de 2012

Os homens, as mulheres e o frio


Todas as famílias têm esqueletos no armário. Esta é uma das premissas que instigam a meticulosa investigação do jornalista econômico Mikael Blomkivist, personagem central do grudento romance policial e/ou de suspense “Os homens que não amavam as mulheres” (Companhia das Letras, 2011), do autor sueco Stieg Larsson; livro (primeira parte de uma trilogia) que originou uma adaptação cinematográfica a ser lançada nas próximas semanas.
A trama, ganhadora do Prêmio Chave de Vidro (em 2006), meticulosamente engendrada, revela-nos os passos do perspicaz e quixotesco jornalista da revista Millennium, recrutado de maneira pouco convencional por Henrik Vanger, velho patriarca de um império industrial sueco, para solucionar um enigma escabroso.
Há mais de quarenta anos, o poderoso octogenário é atormentado pelo misterioso desaparecimento de sua sobrinha-neta (e possível herdeira), Harriet Vanger. O sumiço da jovem, seguido de assassinato (hipótese admitida como fato), ocorre durante um encontro familiar anual, realizado nas propriedades da família Vanger, na Ilha de Hedebyön, nas vizinhanças gélidas de Hedestad, em 1966 (Uma boa pedida para estes dias invernais mogianos!). Como se não bastasse a perda, cumprindo um singelo ritual caseiro estabelecido entre Harriet e o Tio-avô, desde que a menina tinha oito anos de idade, o respeitável empresário recebe uma flor emoldurada toda a vez que aniversaria, sem indicações do remetente.
A cada capítulo, somos apresentados a dados reais e estarrecedores que demonstram a forma como, na Suécia, os homens tratam o sexo oposto (“Na Suécia, 18% das mulheres foram ameaçadas por um homem pelo menos uma vez na vida”, “Na Suécia, 46% das mulheres já sofreram violência de um homem”, etc).
À primeira vista, tais índices representam mecanismos seguros de contextualização do enredo, mas servem também como crítica audaciosa a uma realidade social lastimável. Além de problematizar, tal tensão serve de estrutura, justificativa, a outra personagem marcante da narrativa: uma introvertida investigadora particular que foge aos padrões esperados pelo leitor assíduo de tal modalidade romanesca.
Enfim, “Vale”! Não são os métodos tradicionais de um Allan Poe, Conan Doyle ou Agatha Christie; nem a crueza encantadora de um Roberto Bolaño; muito menos a engenhosidade febril de um Umberto Eco; mas não chega, de maneira alguma, à incompetência, à mediocridade oportunista de um Dan Brown.

MIRANDA, Rafael Puertas de. Os homens, as mulheres e o frio. Jornal Mogi News, Mogi das Cruzes, 03 de Julho de 2011. Caderno Variedades, p. 03.

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