Todas as famílias têm esqueletos
no armário. Esta é uma das premissas que instigam a meticulosa investigação do
jornalista econômico Mikael Blomkivist, personagem central do grudento romance
policial e/ou de suspense “Os homens que
não amavam as mulheres” (Companhia das Letras, 2011), do autor sueco Stieg Larsson;
livro (primeira parte de uma trilogia) que originou uma adaptação
cinematográfica a ser lançada nas próximas semanas.
A trama, ganhadora do Prêmio
Chave de Vidro (em 2006), meticulosamente engendrada, revela-nos os passos do
perspicaz e quixotesco jornalista da revista Millennium, recrutado de maneira
pouco convencional por Henrik Vanger, velho patriarca de um império industrial
sueco, para solucionar um enigma escabroso.
Há mais de quarenta anos, o
poderoso octogenário é atormentado pelo misterioso desaparecimento de sua sobrinha-neta
(e possível herdeira), Harriet Vanger. O sumiço da jovem, seguido de
assassinato (hipótese admitida como fato), ocorre durante um encontro familiar
anual, realizado nas propriedades da família Vanger, na Ilha de Hedebyön, nas vizinhanças
gélidas de Hedestad, em 1966 (Uma boa pedida para estes dias invernais
mogianos!). Como se não bastasse a perda, cumprindo um singelo ritual caseiro
estabelecido entre Harriet e o Tio-avô, desde que a menina tinha oito anos de
idade, o respeitável empresário recebe uma flor emoldurada toda a vez que
aniversaria, sem indicações do remetente.
A cada capítulo, somos
apresentados a dados reais e estarrecedores que demonstram a forma como, na
Suécia, os homens tratam o sexo oposto (“Na
Suécia, 18% das mulheres foram ameaçadas por um homem pelo menos uma vez na
vida”, “Na Suécia, 46% das mulheres já sofreram violência de um homem”, etc).
À primeira vista, tais índices
representam mecanismos seguros de contextualização do enredo, mas servem também
como crítica audaciosa a uma realidade social lastimável. Além de problematizar,
tal tensão serve de estrutura, justificativa, a outra personagem marcante da
narrativa: uma introvertida investigadora particular que foge aos padrões
esperados pelo leitor assíduo de tal modalidade romanesca.
Enfim, “Vale”! Não são os métodos
tradicionais de um Allan Poe, Conan Doyle ou Agatha Christie; nem a crueza
encantadora de um Roberto Bolaño; muito menos a engenhosidade febril de um
Umberto Eco; mas não chega, de maneira alguma, à incompetência, à mediocridade
oportunista de um Dan Brown.
MIRANDA, Rafael Puertas de. Os homens, as mulheres e o frio. Jornal Mogi News, Mogi das Cruzes, 03 de Julho de 2011.
Caderno Variedades, p. 03.
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