quarta-feira, 20 de junho de 2012

Bobók e o Boboca

Em janeiro de 1873, o escritor russo Fiódor Mikhailovich Dostoiévski (1821-1881) assumia, para o desespero e nojo do meio intelectual e literário do qual fazia parte, o cargo de redator-chefe do reacionário e tendencioso semanário “Grajdanin”. Sua primeira publicação na referida “casa” fora o delicioso conto “Bobók”, devidamente acomodado na recém inaugurada seção “Diário de um escritor”. Neste tempo, o autor do imperdível romance Os Demônios (1871) sofria ataques severos da crítica rala que o enxergava como um escritor de linguagem truncada, beirando o descaso.
O texto “Bobók” (a tradução do russo indica “fava”), narrado em primeira pessoa, pode ser facilmente alocado na galeria de obras denominadas “narrativas fantásticas” e é também uma espécie de defesa profundamente irônica e inteligente de seus princípios literários frente às superficiais investidas dos soberbos e enfadonhos críticos de seu tempo.
Na trama, somos apresentados ao escritor/personagem Ivan Ivánitchi que – ao contrário de alguns artistas mogianos(?) que andam soltos por aqui e que gostam muito de se autopromoverem (ab)surdamente, utilizando, inclusive, cartas de colegas das artes para depois raivosamente os desqualificarem, em arroubos egoístas e pouco compreensíveis irradiadores também de uma ditadura do tema a ser desenvolvido por intelectuais, seus outros desafetos – admite-se honestamente como um perfeito imbecil (e, claro, é muito bom).
Seus escritos são renegados por editores que os acham “pesados” demais para o gosto do grande público e, para sobreviver, escreve mediocridades, destas que estão por aí a abarrotar as prateleiras tediosas das “lojas de livros”. Sua obra encomendada mais famosa é “A arte de agradar às mulheres” (a antropologia da futilidade).
Certo dia, enquanto acompanhava o enterro de um conhecido, acaba se deitando sobre as lajes frias do cemitério e, subitamente, começa a escutar o diálogo dos mortos enterrados ao seu redor. Os defuntos, não desligados de seus hábitos e de suas “classes”, desenvolvem um maravilhoso debate sobre as convenções mundanas, contrastando-as com a condição de “enterrado”. Depois de muita polêmica e pudores inúteis, decidem se desvencilhar de suas roupas, como forma de protesto.
Vale! Principalmente a primorosa edição da Editora 34 (2005), seguida da análise brilhante do competente professor e crítico brasileiro Paulo Bezerra.

MIRANDA, Rafael Puertas de. Bobók e o Boboca. Jornal Mogi News, Mogi das Cruzes, 19 de Junho de 2011. Caderno Variedades, p. 03.

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