quarta-feira, 6 de junho de 2012

A defesa da Estética

Certa vez, um pianista decidiu visitar a exposição de uma tradicional empresa fabricante de pianos a fim de adquirir um novo instrumento para ser utilizado no seu próximo espetáculo. Chegando à loja, declarou suas intenções e começou a ser apresentado a cada uma das peças à disposição.
Como executaria músicas de um compositor célebre (um clássico), decidira experimentar piano por piano até que achasse o instrumento que lhe propiciasse a sonoridade e harmonia adequadas, capazes de satisfazer plenamente as expectativas de sua seleta platéia, formada por especialistas, músicos e amantes do determinado compositor, ou seja, sujeitos dotados de específicas competências receptivas, desenvolvidas graças ao contato frequente com outras obras previstas numa espécie de “cânone musical” (a educação da sensibilidade).
O músico analisou cada um dos pianos e não ficou satisfeito. Nenhum deles teria as características acústicas necessárias para reproduzir as nuances das músicas que executaria; de forma alguma contemplaria plenamente as características estéticas intrínsecas da obra.
Já se despedia do vendedor, quando, inesperadamente, um piano chega na sala. Segundo os carregadores, a peça fora devolvida pelo comprador original. O músico decidiu experimentá-la. Ficou pasmo quando notou que aquele piano era, sem sombras de dúvidas, o instrumento adequado ao seu intento; aquele que procurava. Um “encontro” inesperado.
Esta narrativa medíocre, querido leitor, pode gerar diversas reflexões importantes acerca da arte musical. Questionamentos que nos ajudam a compreender a natureza da Arte. Transpondo-os para o plano da Literatura, podemos destacar o fato de que a obra literária, como a obra de um compositor famoso, é sempre um artefato, um objeto que se separa de seu criador, possuindo, assim, uma materialidade sem a qual não seria possível a obtenção de um juízo estético.
Esta constatação, obviamente, destaca as características internas da obra literária e deve ser compreendida como um dos pressupostos fundamentais do ensino da Literatura que deve, sobretudo, alimentar a “competência receptiva” (ou espécie de cogniscência) dos leitores em formação para que os mesmos sejam capazes de perceber que o código da língua portuguesa interage com outros códigos (métricos, estilísticos, retóricos, estéticos, ideológicos) na estruturação do texto literário. Vale!

MIRANDA, Rafael Puertas de. A defesa da Estética. Jornal Mogi News, Mogi das Cruzes, 30 de Outubro de 2011 e republicado em 22 de Julho de 2012 . Caderno Variedades, p. 03.

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