quarta-feira, 20 de junho de 2012

A Máquina

No dia 02 de Janeiro de 2000, o Jornal Folha de São Paulo lançava, sem a intenção de perpetuar uma escala de juízos de valores (?), uma edição especial do seu caderno “mais!” intitulada: Os cem melhores poemas do século.
Cada um dos dez críticos selecionados para compor o júri era responsável pela confecção de uma lista com os dez poemas mais relevantes do século XX. Em seguida, os dados eram cruzados (um verdadeiro mosaico caótico) e os textos reincidentes, com as melhores colocações, foram aglutinados numa única lista, que indicava as dez maiores obras do referido período.
Nesta pitoresca oportunidade, revestida de um aparente caráter fomentador do estímulo à leitura e ao debate, os especialistas (ou, melhor dizendo, quatro deles) foram unânimes: o poema “A máquina do mundo”, de Carlos Drummond de Andrade, era a composição poética mais relevante de nossa literatura. O poeta itabirano, inclusive, figurava em todas as listas, sendo reverenciado, no entanto, por diferentes composições de sua autoria. O resultado foi, curiosamente, justo.
O poema, que integra o livro “Claro Enigma” (1951), dialoga com uma das mais emblemáticas e reverberantes metáforas da era moderna, em circulação desde a antiguidade e fundamentada na premissa de que o Mundo seja dividido em duas partes em constante interação – cosmos: a elementar e a celestial.
Camões, no Canto décimo d’Os Lusíadas, reafirma sua profunda erudição, quando nos apresenta a ninfa Tétis guiando Vasco da Gama até a própria “Máquina do Mundo” para que este pudesse vislumbrar a sina de sua pátria; recompensa “triste” de seus feitos heroicos.
No poema de Drummond, somos apresentados a um eu-lírico que, ao entardecer, caminha vagarosamente pelas pedregosas estradas de uma áspera Minas, sem “rocambole”, quando, subitamente, é assaltado pela presença da máquina. Justo ele, que se esquivava de qualquer revelação, tinha a permissão de contemplá-la; e sedutora. Carpiu-se, todavia, do direito de possuí-la, ignorou-a. Sabia o bastante a respeito de si mesmo. O mundo que basta.
***
Em tempo: Drummond sai agora de outra “máquina”! Desde o início do ano, a Editora Companhia das Letras (SP) tem reeditado suas obras. Claro Enigma, o segundo título lançado, integra a nova série que faz jus ao capricho da casa: fortuna crítica da melhor qualidade, diagramação exuberante e profissional estabelecimento do texto. Vale!

MIRANDA, Rafael Puertas de. A Máquina. Jornal Mogi News, Mogi das Cruzes, 01 de Abril de 2012. Caderno Variedades, p. 07.

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