quarta-feira, 20 de junho de 2012

Meendinho

Há algum tempo, talvez oito anos ou mais, iniciava uma intensa pesquisa literária, atiçado por meus pitorescos professores universitários, a respeito de uma belíssima cantiga de amigo medieval, como estas que florescem nos primeiros capítulos dos tradicionais e insossos manuais de literatura.
A composição, um dos mais belos exemplos do gênero, é a única obra do jogral galego Meendinho (também conhecido como Meendiño – XIII d.C.), artista que vivera entre os condados que circundam a Ria de Vigo, espécie de língua de oceano para dentro do continente, fingindo rio, numa região que hoje faz parte da Espanha (no passado, Galiza). Acredite, querido leitor, estou agora mesmo entre as minhas anotações empoeiradas, desentocadas de meu sisudo arquivo de plástico. Logo no início da pilha, encontro o resultado da pesquisa no respeitável “Centro Ramón Piñeiro para a investigación en humanidades”, uma das maiores bases de dados da lírica profana galego-portuguesa, que ainda é disponibilizada via internet (iniciativa invejável). Depois, desfilo os dedos entre as cópias do fac-símile dos Cancioneiros da Vaticana e da Biblioteca Nacional, onde está manuscrita a mesma composição.
A marinha "Sedia-m' eu na ermida de San Simión" (transcrição do primeiro verso da primeira cobra) pode ser entendida também como uma cantiga de desespero. Nela, uma jovem donzela (“fremosa”) espera diante da Ermida (capela) do ilhéu de San Simon (na Ria de Vigo) o retorno de seu amado. Aguarda, ansiosa, algum sinal ou chegada de navio, mas o tempo passa, a maré sobe e a jovem, tardiamente, percebe que não conseguirá escapar das ondas bravias que a circundam. A resignação e o lamento.
Percorro minhas anotações que destacam os recursos retóricos empregados, marcas da simplicidade lírica da expressão trovadoresca: leixa-pren, paralelismo literal, palabra volta, rima derivada, etc; uma viagem. O leitor já deve se perguntar o motivo deste resgate e ele não tarda.
Pela rede social, recebi um link de um colega português divulgando o videoclipe do trabalho da cantora brasileira Socorro Lira, intitulado “Cores do Atlántico”, onde reinventa as melodias de cantigas de amigo. No vídeo (in: Vimeo), Lira interpreta a cantiga de Mendinho, abrasileirando-a. O ambiente da releitura é justamente a ilha de San Simon. Um destes trabalhos imperdíveis de que não se tem notícia em terras tupiniquins. Vale!

MIRANDA, Rafael Puertas de. Meendinho. Jornal Mogi News, Mogi das Cruzes, 15 de Janeiro de 2012. Caderno Variedades, p. 03.

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