quarta-feira, 20 de junho de 2012

Um Romance bom

Aconteceu numa livraria, onde havia encomendado o suculento livro “A teoria do Romance”, do filósofo húngaro Georg Lukács. Ao retirar a encomenda, percebi que a sombria balconista, destas meninas que usam pesada maquilagem dark, fitava-me como se quisesse desenbuchar alguma coisa e não tivesse coragem.
Intrigado, devo ter feito aquela cara típica de “Algum problema? Diga, minha filha, não se acanhe!”, porque, num átimo, aproveitando-se de minha condescedência, a moça metralhou:
“―Você tem problemas de relacionamento, não é?”
Fiquei completamente pasmo, tentando imaginar o motivo que levara a vampiresca moçoila a chegar a tal conclusão. Querido leitor, tenha a plena certeza de que várias hipóteses surgiram na minha humilde cabeça. Meu semblante deve ter me denunciado novamente, pois a jovem completou, sem piedade, quase íntima:
“― Agora você saberá lidar com um romance! É tão simples!”
Sim! Claro! “A Teoria do Romance”. Não era o meu cabelo despenteado, meu guarda-chuva made in china, meu aparato pedagógico, tampouco minha braguilha aberta (aliás, foi a primeira coisa checada). A jovem cometera a clássica confusão com os significados da palavra “Romance”, imaginando o livro de Lukács como uma espécie de cartilha para bem sucedidas ligações amorosas.
Na verdade, a obra é um delicioso estudo do gênero narrativo em questão, onde o filósofo húngaro, associando romance à epopeia, sugere um “gênero de literatura epopéica” que é contrastado com a tragédia.
Hoje, vivemos o verdadeiro apogeu da bibliografia especializada que esmiúça atentamente os limites e as características deste gênero tão praticado e responsável pela fixação das mais belas e profundas tramas já imaginadas.
Ainda assim, às vezes, somos surpreendidos quando nos deparamos com obras como “Museu do Romance da Eterna” (Cosacnaify, 2010), do escritor argentino Macedonio Fernández (1874-1952).
Na belíssima e lúdica edição brasileira está impressa a tradução de um dos maiores romances da literatura argentina que teima o contrário: totalmente antirrealista, o texto é um enorme prólogo fragmentado (mosaico) que anuncia um “Romance fenomenal” que nunca chega. O experimentalismo de Macedonio abala todas as concepções seguras a respeito do que é o “Romance”. Genial.
Tive, então, que discordar das palavras de minha colega dark: “Nem sempre um Romance é simples e é bem melhor assim”. Vale!

MIRANDA, Rafael Puertas de. Um Romance bom. Jornal Mogi News, Mogi das Cruzes, 12 de  Fevereiro de 2012. Caderno Variedades, p. 03.

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