quarta-feira, 20 de junho de 2012

A expectadora imaginária

Em 1877, era publicado pela Typographia da Provincia de São Paulo, sob os cuidados de José Maria Lisboa, o esperado “Almanach Litterario de São Paulo para 1878”.
Exatamente, na página 19 da referida obra, uma raridade, encontra-se o curioso artigo “Um soldado da Independencia”, onde o senhor Rangel Pestana corrige um jornal da capital do Império que noticiara erroneamente, no ano de 1877, a morte da última testemunha do brado famoso de 1822.
Revoltado, Pestana argumenta que não fora considerado o senhor Rodrigo Gomes Vieira de Almeida, soldado do batalhão do primeiro Imperador, o qual “assistiu nas campinas do Ypiranga ao grito da Independência” e que, agora, maduro, morava na cidade na cidade de “Mogy das Cruzes”, junto de sua esposa, d. Leduína Maria da Conceição.
Ainda, nesta mesma cidade, Rodrigo “exerceu vários empregos de nomeação do governo e eleição popular e no correr dos longos annos tem sido subdelegado, collector de rendas provinciaes e geraes, vereador e eleitor”, chegando, inclusive, a ceder terras de sua chácara para a construção da linha férrea SP-RJ. Por onde andará o soldado Rodrigo?
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Fico imaginando, querido leitor, como seria curioso encontrar indícios de que um cidadão mogiano tenha participado do evento, propositadamente alocado no ano de 1922, e que representou (mesmo que alguns crápulas afirmem o contrário) a segunda independência do Brasil, uma verdadeira independência de natureza cultural: A Semana de Arte Moderna.
Chego a imaginar uma senhorita mogiana, mãos enluvadas, trajando os últimos gritos da moda paulistana, fã de Kiki de Montparnasse (há de ser liberal, se me permitem!) e Anita Catarina, exalando resquícios das gotas de Arys, desviando de lancias, fords, gritos klaxons de uma cidade que fervilha, para se acomodar, deslumbrada, num dos furos da plateia do jovem Teatro Municipal de São Paulo.
Em qual dia? No mais quente: dia 15 de fevereiro. Revolta, ênfase, cabeças louras e pernas. No meio das vaias e dos relinchos, ainda escuta Menotti bradando: “Somos o escândalo com duas pernas, o cabotinismo organizado em escola”. "Os Sapos" ecoa, sepultando de uma vez a monotonia encalacrada do poeta parnasiano. E ela ri.
Esta é a singela história de minha expectadora imaginária. Por que razão se perceba não há de ser ela, a moça, mais verdadeira que o Grito de Independência do Pedro? Viva o Carnaval!

MIRANDA, Rafael Puertas de. A expectadora imaginária. Jornal Mogi News, Mogi das Cruzes, 19 de Fevereiro de 2012. Caderno Variedades, p. 03.

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