quarta-feira, 20 de junho de 2012

Polêmica

Aos vinte e quatro anos, o escritor maranhense Aluísio Tancredo Gonçalves “Belo” de Azevedo, para o terror da “pobre” e provinciana cidade de São Luiz, lançava o romance “O mulato” (1881).
A obra, seguindo a estrutura ortodoxa do Naturalismo, estética inaugurada pelo escritor francês Émile Zola, narra a história do belo Raimundo, jovem mulato que, protegido por um tio, forma-se em direito na Europa.
Quando retorna ao Maranhão, com a intenção de investigar suas origens “ocultadas”, é apresentado à prima Ana Rosa, que já fora prometida ao caixeiro escroto Luís Dias que, no entanto, era branco.
O leitor já deve supor a fórmula: Ana Rosa e Raimundo se apaixonam perdidamente. Ela engravida. Luís adoece de ciúmes. Pressionado, Raimundo decidi fugir com Ana Rosa. Luís descobre o plano e mata o mulato com um tiro certeiro. Ana “perde” a criança. Luís se casa com Ana (Opa?). O casal é enredado pelo típico aburguesamento cinzento do século XIX (o fim da aventura de existir). E vivem, os medíocres, felizes para sempre: o assassino e a donzela.
Sentiu? Há muito mais na trama. Espero que o leitor “agarre” o texto e se acostume com a veia polêmica deste grande escritor que, até ao divulgar um novo livro, “causava” (como os jovens dizem hoje por aí):
“(...)Um homenzarrão, de sobrecasaca e óculos, de pé, com um papelucho entre os dedos, brada e gesticula:
― Que porcaria é esta?! Estou a comer o pão e trinco isto, O Homem! Que quer dizer isto? E mostra, indignado, o papelucho. Aluísio levanta-se muito grave e diz:
― O Homem, a que se refere este papel, é aquele que, segundo as profecias, deve trazer ao mundo a palavra da verdade, que, como o meu amigo sabe, é o pão espiritual. Por isso, naturalmente, escolheu, para veículo, o pão. Se o cavalheiro se revolta contra O Homem, que achou no pão, por que não brada contra a hóstia, por exemplo, que também contém, em substância, um homem? Saiba o amigo e saibam quantos aqui se acham que este homem, que aqui está, é um dos tipos mais perfeitos da criação – 300 páginas, edição Garnier, e aparecerá depois de amanhã. Tenho dito. E torna á mesa. A gargalhada explode. E na rua do Ouvidor, e, à noite, nos teatros, o Homem do pão é o assunto das palestras.” (in: Aluísio de Azevedo: uma vida de romance, de Raimundo de Menezes).
Em tempo: mesmo que digam o contrário, há preconceito no Brasil, sim, e da pior espécie: escamoteado.

MIRANDA, Rafael Puertas de. Polêmica. Jornal Mogi News, Mogi das Cruzes, 04 de Março de 2012. Caderno Variedades, p. 07.

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