quarta-feira, 20 de junho de 2012

Diletante de Ambientes

Ontem, pela tarde, uma prateleira de minha cansada estante despencou. Não houve barulho, não houve caco, revelações assustadoras, tampouco vítimas. Simplesmente, apareceu estatelada sobre o “andar” de baixo do próprio móvel sisudo. Um destes típicos incidentes cotidianos silenciosos que custam a ser notados e trazem um pouco de caos à organização de tudo, querido leitor. Em verdade, tudo estava posto.
Ajoelhei-me, então, para socorrer algumas dezenas de queridos livros e, neste instante, tão rápido como um raio, saltou-me às mãos um pequeno Romance (gênero narrativo) que decerto já sobrevivera a alguns descartes e doações (é muito bom distribuir livros) e ainda não fora lido, perdido entre as frinchas obscuras de minha estante. Agora, redescoberto.
A pequena edição continha na capa a reprodução de uma belíssima fotografia em preto e branco de uma estação de metrô parisiense e era guarnecida por uma pequena tira de papel, onde jaziam as palavras entusiasmadas de um dos grandes prosadores norte-americanos da atualidade, o grande escritor Paul Auster (ainda escreverei algo a respeito de uma de suas mais empolgantes obras: “A noite do oráculo”, de 2003). A “casca” do achado era convidativa, restava provar o “miolo”.
Tratava-se da obra “Voz sem saída” (Ed. Nova Fronteira, 2006 – ainda disponível nas livrarias virtuais), da jovem escritora francesa Céline Curiol. Lançada em 2005, apresenta um narrador em terceira pessoa que revela o monólogo interior (indireto) de uma jovem anônima e apagada, referida por ele, em toda trama, simplesmente como “Ela”.
A moça é um ser indiferente que se “arrasta” pelos recantos mais sombrios da triste cidade luz (uma verdadeira “diletante de ambientes”, para fazer jus ao grande personagem Simão, do saudoso Ribeiro Couto) em busca de pequenas aventuras capazes de “cauterizar” sua claudicante monotonia e apagar, por alguns momentos, as lembranças do triângulo amoroso vivenciado por “Ela”, seu amigo/amado e Ange, uma jovem espetacularmente bela.
Curiol recria uma realidade onde a dinâmica dos relacionamentos humanos se apresenta de maneira confusa e encantadora, fugindo à complicação amorosa rasteira das telenovelas. As personagens inseguras se debatem em busca de soluções para si mesmas, até as últimas consequências de seu atos, de suas covardias. De resto, a neurose típica da “modernidade líquida”. Vale!

MIRANDA, Rafael Puertas de. Diletante de Ambientes. Jornal Mogi News, Mogi das Cruzes, 25 de Março de 2012. Caderno Variedades, p. 07.

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