quarta-feira, 20 de junho de 2012

Da Sina

Num belíssimo ensaio de 1952 (“O suplício do Papai Noel”), publicado no Brasil pela Editora CosacNaify em 2008, o saudoso professor e antropólogo estruturalista francês Claude Lévi-Strauss analisa brilhantemente a referida crença natalina diante do pitoresco acontecimento de 24 de Dezembro de 1951, quando, na cidade francesa de Dijon, as autoridades religiosas decidiram simplesmente “queimar” o Papai Noel no átrio da principal catedral, alegando que a figura vermelha (ou verde) era responsável por uma preocupante “paganização” do dia do Natal, “desviando o espírito público do sentido propriamente cristão dessa comemoração”. Como expectadores deste sinistro espetáculo pirotécnico, convocaram as crianças que habitavam os orfanatos religiosos da cidade. Strauss empolga-se com o evento, vendo nele uma manifestação sintomática de uma evolução dos costumes e crenças, ao mesmo tempo em que anuncia o triunfo do culto ao velhinho.
“Cocas-Colas” a parte, em tempos de mercadoria, onde o sublimar desejo de consumo ofusca qualquer reflexão, jamais nos preocuparíamos com os reais significados de um personagem tão badalado pelas vitrines. No entanto, ao transmitir esta tradição, fazendo crer as crianças que o barbudo existe de fato, ajudamo-nos a nós mesmos a acreditar na vida, seja ela “Severina” ou não. Vale!
***
Sina Pequenina

O Símbolo é a neve,
a criança importante na manjedoira,
a casinha com chaminé,
mas chovia gota grossa
e, no frio molhado,
os olhos de um menino,
como árvore luminosa,
brilhavam a falta.

Não há prece,
não há casa,
não há gente,
não há ceia farta,
tampouco o presente.
Só o menino pequeno,
no enorme egoísmo da noite;
papelão ignorado,
presépio do abandono.

Se alguma espécie de deus o protegia, não sei.
Tarefa demais para tanto.
............
E, enquanto isso,
na prateleira da loja,
um Natal diferente estava à venda
e todo mundo acreditava.
MIRANDA, R. P. Rinoceronte em Cápsula. Mogi das Cruzes(SP): 2010.

MIRANDA, Rafael Puertas de. Da sina. Jornal Mogi News, Mogi das Cruzes, 22 de Janeiro de 2012. Caderno Variedades, p. 03.

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