quarta-feira, 6 de junho de 2012

Do Tato

Num dos interessantes capítulos da obra “Anatomy of Bibliomania” (1930), do jornalista inglês George Holbrook Jackson (1874-1948), encontramos uma incrível exposição a respeito do papel desempenhado pelos sentidos na prática da bibliofilia (grego: biblion - livro e philia – amor; em português, bem diferente da “bibliomania”, sendo esta última simplesmente a tara pela compra/posse de livros, sem, no entanto, lê-los).
A parte que mais me agrada do curioso texto citado, como bibliófilo teimoso e bibliomaníaco moderado, é aquela em que Holbrook discorre acerca da considerável relevância do “tato”, que sempre fora erroneamente entendido/apresentado como o mais ignóbil dos sentidos (segundo Aristóteles, que o desmerecia, era “comum a todos os animais, a exceção de alguns imperfeitos”).
Apoiando-se em declarações de bibliófilos renomados e em suas próprias experiências, anuncia as percepções tácteis, que não são restritas a regiões específicas do corpo, como uma inesgotável fonte de maneiras novas de prazer bibliófilo, pois nos ajudam a perceber várias qualidades de nossos adorados tomos: “a lombada polida de um belo volume antigo é uma tentação irresistível”. Há até quem tenha em público beijado os próprios livros despudoradamente. O toque, além de afinidade, é também criação.
Hoje, entendidos do assunto dividem o tato em outros quatro sentidos (ou sistemas). Considerando esta nova classificação e atentando para o mais especificamente envolvido na manipulação de um livro: o chamado sistema somatosensorial, responsável pela identificação de texturas, é muito difícil discordar das palavras antigas do entusiasmado Holbrook, como também é explicado o tipo de estratégia de quem cria tentadores aparelhos tecnológicos mirabolantes que, eventualmente, são apresentados como o “futuro do livro”. O falecido Steve Jobs, com certeza, utilizou-se deste conhecimento a fim de remodelar a forma de interação (interface) entre homem/aparelho. A revolução táctil dos “I”. Jobs eram dedos.
Mas não se engane, querido leitor. O livro (para além de mero objeto: o “âmbito”), mídia extremamente interativa, está longe de se tornar obsoleto. As tecnologias ainda não captaram a “presença” deste aglomerado de páginas que embalam as noites felizes de quem descobriu o sentido da leitura, as “cinco portas de amor ao livro”. Acontece que o livro tem alma, o livro respira, o livro espreita. Vale!

MIRANDA, Rafael Puertas de. Do Tato. Jornal Mogi News, Mogi das Cruzes, 20 de Novembro de 2011. Caderno Variedades, p. 03.

Um comentário:

  1. 'As tecnologias ainda não captaram a “presença” deste aglomerado de páginas que embalam as noites felizes de quem descobriu o sentido da leitura, as “cinco portas de amor ao livro”.'

    Não captaram e não vão captar nunca!

    ResponderExcluir